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Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
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Commons Attribution 4.0 International License
Revista de Derecho Procesal del Trabajo
Publicación Especializada del Equipo Técnico Institucional de Implementación
de la Nueva Ley Procesal del Trabajo del Poder Judicial
Vol. 7, n.
o
9, enero-junio, 2024, 117-180
Publicación semestral. Lima, Perú
ISSN: 2708-9274 (En línea)
DOI: https://doi.org/10.47308/rdpt.v7i9.840
Competência da Justiça do Trabalho para
julgamento de ações decorrentes das formas
alternativas de contratação de prestadores
de serviços sob a ótica do Supremo Tribunal
Federal
Competencia de los Juzgados de lo Social para conocer
de las acciones derivadas de las formas alternativas de
contratación de los prestadores de servicios desde la
perspectiva del Tribunal Supremo
Jurisdiction of the Labor Court to Hear Actions Arising
from Alternative Forms of Contrating Service Providers
from the Perspective of the Federal Supreme Court
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José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
José carlos wahle
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Rio de Janeiro, Brasil)
Contacto: jose.wahle@veirnano.com.br
https://orcid.org/0009-0000-5443-5251
roDrigo De FigueireDo arauJo
Universidade IBMEC Rio de Janeiro
(Rio de Janeiro, Brasil)
Contacto: raraujo@gbmlaw.com.br
https://orcid.org/0009-0006-6509-7781
RESUMO
Passados 80 anos da sua criação e quase 20 anos da Emenda
Constitucional que xou os contornos da sua jurisdição, a Justiça do
Trabalho está diante de um conito jurisprudencial inédito com o
Supremo Tribunal Federal e a sua inclinação de equilibrar a tradicional
proteção do regime trabalhista com a autonomia de vontade das
partes e a livre inciativa das novas dinâmicas econômicas. O presente
estudo busca analisar o entendimento que vem sendo traçado pelo
Supremo Tribunal Federal acerca da validade das diferentes formas
de contratação permitidas pelo ordenamento jurídico brasileiro e
se a Justiça do Trabalho possui competência para o julgamento das
ações decorrentes desses contratos, na forma como estabelecida pelo
art. 114, I, da Constituição de 1988, com redação dada pela EC
n.º 45/2004. Embora o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais
Regionais do Trabalho convirjam no sentido de que a forma do contrato
não subsiste se os fatos revelarem que o trabalho foi executado de forma
subordinada, a Corte Constitucional e as Trabalhista ainda divergem
sobre a validade a priori de regimes legais alternativos ao do contrato
de trabalho, como nos exemplos das prossões regulamentadas e dos
motoristas de aplicativos de transporte, como se pode vericar das
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
diversas decisões recentes proferidas pelo Supremo no julgamento de
Reclamações Constitucionais.
Palavras-chave: processo do trabalho; competência em razão da maté-
ria; constituição federal; reforma trabalhista; consolidação das leis do
trabalho; relação de trabalho e relação de emprego.
Termos de indexação: procedimento legal; direito do trabalho; rela-
ções trabalhistas; condições de trabalho (Fonte:Tesauro Unesco).
RESUMEN
Después de 80 años de su creación y casi 20 años desde la Enmienda
Constitucional que estableció los contornos de su competencia, los
Tribunales del Trabajo se enfrentan a un conflicto jurisprudencial sin
precedentes con el Tribunal Supremo y su inclinación a equilibrar
la protección tradicional del régimen laboral con la autonomía de
la voluntad de las partes y la libre iniciativa de la nueva dinámica
económica. El presente estudio pretende analizar el entendimiento
que ha esbozado el Supremo Tribunal Federal sobre la validez de las
diferentes formas de contratación permitidas por el ordenamiento
jurídico del Brasil y si los tribunales laborales tienen competencia
para conocer de los conflictos derivados de estos contratos, tal y como
establece el artículo 114, I, de la Constitución de 1988, modificado
por la CE n.º 45/2004. Aunque el Supremo Tribunal Federal y los
Tribunales Regionales de Trabajo estén de acuerdo en que la forma
del contrato no subsiste si los hechos revelan que el trabajo se realizó
de forma subordinada, el Tribunal Constitucional y los Tribunales
de Trabajo siguen discrepando sobre la validez a priori de regímenes
jurídicos alternativos al contrato de trabajo, como en los ejemplos
de las profesiones reguladas y de los conductores de aplicaciones de
transporte, como se desprende de las diversas decisiones recientes
dictadas por el Supremo Tribunal en el juicio de Reclamaciones
Constitucionales.
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Palabras clave: procedimiento laboral; competencia por materia;
constitución federal; reforma laboral; consolidación de las leyes labo-
rales; relación de trabajo y relación de empleo.
Términos de indización: procedimiento jurídico; legislación laboral;
relaciones laborales; condiciones de trabajo (Fuente: Tesauro de la
Unesco).
ABSTRACT
The administration of justice by the Judicial Branch begins with
the Magistrates' Courts, which constitute the first level within the
hierarchical organization of this branch of government. They are
followed, in ascending order, by the Specialized Courts, Superior
Chambers and Supreme Chambers, which assume a series of compe-
tencies assigned to them by the national legal system.
In this article we will address the competence by subject matter
of the Labor Magistrates Courts, with emphasis on the expansion of
their competencies, reviewing the changes produced in the 02 Labor
Procedural Laws of Peru and the introduction of competencies made
by the IX Supreme Labor Plenary of the year 2022.
Although the Law is an important normative instrument in
national law, nowadays jurisprudence has gained great importance
within the sources of law, assuming a creative role, thus overcoming
the traditional role of mere applicator and interpreter of the Law. This
is the case of the jurisprudence of the Supreme Court of the Republic
and the Constitutional Court, which have contributed to the legal
development of the country with a wide margin of legitimacy when
they establish criteria nurtured with a high content of justice that
society expects. In the case of the competence of the labor courts of
peace, in this article we notice an absence of concern on the part of the
Legislative Power in facing the problem presented; assumed in part by
the Supreme Court of the Republic through a Supreme Labor Plenary.
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
We will see if the legal solution given is complete or if it requires
additional measures.
Key words: labour; competence by subject matter; labour court of
peace; supreme labour plenary; labour procedural law; disciplinary
sanctions.
Indexing terms: legal procedure; labour law; labour relations; working
conditions (Source: Unesco Thesaurus).
Recibido: 23/08/2023 Revisado: 17/04/2024
Aceptado: 18/04/2024 Publicado en línea: 30/06/2024
1. INTRODUÇÃO
Desde a sua criação pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em
1943, a competência da Justiça do Trabalho estava limitada à solução
de conflitos entre empregadores e empregados – conflitos decorrentes
de «relação de emprego». Essa definição, foi, inclusive, estabelecida
pela Constituição Federal da República de 1988, até que a Emenda
Constitucional (EC) n. 45 de 2004, alterando o art. 114, inciso I,
ampliou a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar
«ações oriundas da relação de trabalho», conceito evidente mais abran-
gente do que «emprego».
Passados quase 20 anos da entrada em vigor da referida emenda,
contudo, muito ainda se discute sobre a abrangência da competência
da Justiça do Trabalho, em especial diante da ausência de definição
precisa ou objetiva prevista em lei para a chamada «relação de trabalho».
Essa discussão ganhou especial relevância nos últimos anos,
tendo em vista o surgimento das novas formas de contratação e pres-
tação de serviços por meio dos profissionais autônomos, que passa-
ram a desafiar a definição clássica de empregado estabelecida pelo
art. 3 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Aos exemplos
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clássicos dos representantes comerciais e das profissões regulamenta-
das dos chamados «profissionais liberais» como médicos e advogados,
somaram-se as pessoas jurídicas individuais, popularmente conhecidas
como «PJ»,
1
em ramos como tecnologia, consultoria de negócios e
serviços especializados, e, mais recentemente, motoristas de aplicativo
ou semelhantes, que prestam serviços por intermédio de plataformas
digitais.
Em 2017, não podendo ignorar o crescente número de
profissionais autônomos atuando como PJ, o legislador brasileiro
optou por reafirmar a validade da sua forma de contratação. A Lei
13.467 incluiu na CLT o art. 442-B, erigindo assim uma ponte com
os dispositivos do Código Civil (CC) brasileiro sobre o contrato de
serviços. A chamada Reforma Trabalhista incorporou ao ordena-
mento jurídico trabalhista a sua forma de contratação sem vínculo,
mesmo nos casos em que constatada a habitualidade e exclusividade,
desde que mantida a real liberdade e independência da subordinação
ao contratante (arts. 3 e 4 da CLT). Também em 2017, foi promulgada
a Lei 13.429, que trouxe importantes alterações no contexto da
terceirização, validando a sua prática, inclusive nas atividades-fim
das empresas.
Estas e outras alterações da Reforma Trabalhista foram alvo
de controvérsias na doutrina e jurisprudência, sobretudo sob a ótica
da suposta precarização dos direitos trabalhistas, de modo que o
Supremo Tribunal Federal
2
(STF) inevitavelmente foi instado a se
manifestar em diversas oportunidades nos últimos anos, assumindo
um protagonismo importantíssimo no direcionamento da forma
1 No Brasil, profissionais autônomos que possuem uma empresa individual registrada em
seu nome são comumente chamados de «PJ». Essa diferença é importante, pois eles não são
considerados empregados tradicionais, mas uma categoria de trabalhadores independentes, que
normalmente emitem notas fiscais por seus serviços, sendo responsáveis por gerenciar seus
próprios encargos sociais e tributos.
2 O STF é a corte máxima brasileira, responsável por julgar processos em que se discute violações
constitucionais.
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
de interpretação da legislação trabalhista brasileira e das alterações
trazidas pela Reforma Trabalhista.
É diante desse cenário que, a partir de 2018, o STF passou a
traçar uma linha de entendimento, sob a ótica econômica moderna,
acerca da validade das diversas formas de contratação diferentes do
contrato de trabalho regido pela CLT, com decisões emblemáticas no
âmbito (i) da Ação de Descumprimento de Preceito Federal (ADPF)
324 e Ações Direta de Inconstitucionalidade (ADIs) 5.685 e 5.695,
que versam sobre a constitucionalidade da terceirização irrestrita, em
qualquer atividade da empresa, meio ou fim; (ii) Ação Declaratória
de Constitucionalidade (ADC) 48 e ADI 3.961, que versam sobre
a constitucionalidade da figura do transportador rodoviário de
cargas sem vínculo de emprego; (iii) a ADI 5.625, que versa sobre a
constitucionalidade do contrato de parceria sem vínculo empregatício
entre salões de beleza e profissionais previsto na lei 13.352/16 (ADI
5.625); e, mais recentemente, (iv) das diversas recentes Reclamações
Constitucionais (Rcl) sobre a validade da contratação, fora dos moldes
da CLT, de advogados (Rcl 56.285/SP,), médicos (Rcl 47.843/BA),
corretor de imóveis (Rcl 56.132/MA), motoristas de aplicativo (Rcl
59.795/MG) e outras.
O objetivo do presente artigo é analisar o entendimento que
vem sendo traçado pelo STF acerca da validade das diferentes formas
de contratação permitidas pelo ordenamento jurídico brasileiro e se a
Justiça do Trabalho possui competência para o julgamento das ações
decorrentes desses contratos, na forma como estabelecida pelo art. 114,
I, da Constituição de 1988, com redação dada pela EC n.º 45/2004.
Para tanto, utilizando-se como metodologia de pesquisa a
pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, analisar-se-á a evolução da
competência da Justiça do Trabalho desde a Constituição de 1988 e o
conceito de relação de trabalho e emprego, bem como o surgimento
dos autônomos e as controvérsias que permeiam a sua regulamentação.
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Em seguida, passa-se a examinar as decisões do STF de 2018 a 2023
sobre as diferentes formas de contratação, realizando-se uma análise
sobre os pontos de convergência e divergência –dentro e fora do STF–
sobre a sua validade e, sobretudo, acerca da importância da definição
de sua natureza jurídica para fins de identificação do juízo competente
para julgamento das ações decorrentes dessas relações.
Ao final, diante de uma aparente imperfeição de todas as
possíveis soluções, busca-se definir o que pode ser extraído das deci-
sões do STF e o que se pode estabelecer como caminho a partir
desse entendimento, realizando-se um paralelo com a jurisprudência
dos Tribunais Regionais na Justiça do Trabalho, em especial ante à
reconhecida predisposição de recusa por parte dos magistrados ao
reconhecimento da validade de formas alternativas de contratação.
2. EVOLUÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO
TRABALHO NO BRASIL
A história da Justiça do Trabalho no Brasil tem sua origem definida
a partir da criação do Conselho Nacional do Trabalho em 1923,
atendendo aos anseios de uma classe trabalhadora que se consolidava
já não apenas no campo, mas também no início da industrialização.
3
A partir de 1930, Getúlio Vargas iniciou uma política trabalhista
sistematizada e coordenada, sendo marcada principalmente pela
criação do Ministério do Trabalho. Em julho de 1934, a Assembleia
Constituinte, convocada por Getúlio Vargas, promulgou uma nova
Constituição, inspirada no texto da Carta Magna de 1891 e na
Constituição de Weimar. Esta Constituição trazia em seu texto temas
inéditos que tratavam da ordem social e econômica brasileira, entre os
quais destaca-se o art. 122 que instituía a Justiça do Trabalho, ainda
mantida no âmbito do Poder Executivo.
3 Tribunal Superior do Trabalho. História da Justiça do Trabalho. https://www.tst.jus.br/historia-
da-justica-do-trabalho
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
Cerca de uma década depois, a Constituição Federal de 1946
integrou a Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário, mantendo a estrutura
que tinha como órgão administrativo, inclusive com a representação
classista. Sua estrutura permaneceu assim nas Constituições posteriores.
A Constituição de 1988 marcou o período de redemocratiza-
ção do Brasil após longo período de regime militar. Ela manteve a
estrutura da Justiça do Trabalho e de seus órgãos nos três graus de
jurisdição e seu texto definiu a competência da Justiça do Trabalho,
nos seguintes termos:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os
dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empre-
gadores, abrangidos os entes de direito público externo e da
administração pública direta e indireta dos Municípios, do
Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei,
outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem
como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas
próprias sentenças, inclusive coletivas.
4
A redação original do artigo 114 continha uma involuntária
ambiguidade. Com base nesta redação, cabia à Justiça do Trabalho
decidir apenas as os litígios contra «empregadores», o que, indiretamente,
excluía litígios de contratos de natureza civil, ainda que permitisse que
os contratados sob esse regime postulassem a declaração de vínculo
de emprego contra seus pretensos «empregadores». Por outro lado, a
palavra «trabalhadores e as outras controvérsias de correntes da relação
de trabalho», expressavam um conceito mais amplo, provocando
assim a ambiguidade. É notório o exemplo das ações indenizatórias
por acidente de trabalho e doenças ocupacionais, que dependiam de
permissão expressa em legislação infraconstitucional.
4 Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Senado, 1988. http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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Em 2004, a EC 45 ampliou a competência da Justiça do
Trabalho alterando significantemente sua competência. A EC incluiu
diversos novos incisos ao art. 114 da Constituição de 1988, dentre
eles o inciso I, que passou a prever que é competência da Justiça do
Trabalho processar e julgar «as ações oriundas da relação de trabalho».
O texto revogado do art. 114 da Constituição enunciava como
competência da Justiça do Trabalho apenas a conciliação e julgamento
de dissídios envolvendo trabalhadores e empregadores. Porém, com
a referida alteração trazida pela EC 45/2004, a Justiça do Trabalho
passou a ser competente para julgar e processar ações oriundas de toda
e qualquer relações de trabalho.
Nesse mesmo sentido aponta Helcio Luiz Adorno Junior:
Se o legislador adotou a expressão relação de trabalho em
substituição à antiga menção feita a empregador, tudo leva a crer
que não o fez por acaso. A principal competência da Justiça do
Trabalho passou a envolver o julgamento dos processos movidos
por (ou em face de) trabalhadores, não mais se restringindo aos
litígios relativos aos contratos de trabalho, assim entendidos os
decorrentes de vínculo de emprego. (Adorno Junior, 2012)
Hoje, portanto, a Justiça do Trabalho possui competência ampla
para processar e julgar disputas envolvendo relações de trabalho,
inclusive as ações indenizatórias por perdas e danos baseadas na res-
ponsabilidade civil, possuindo competência mais abrangente do que
havia antes da EC 45/2004 e, consequentemente, ganhando maior
relevância no contexto nacional.
3. NATUREZA JURÍDICA DAS DIVERSAS
MODALIDADES DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Com a inclusão da expressão «relações de trabalho» no escopo de
competência da Justiça do Trabalho pela EC n.º 45/2004, o legislador
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
deixou evidente que há um traço que distingue as expressões «relação
de trabalho» e «relação de emprego», por muitas vezes confundidas.
Neste capítulo, analisar-se-á o conceito de tais expressões e a impor-
tância da sua definição para a identificação juízo competente para
julgamento dos conflitos delas decorrentes.
3.1. Relação Comercial e de Consumo
A relação comercial é caracterizada como uma relação jurídica entre
dois agentes econômicos, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, que
possui como objetivo precípuo a compra e venda de algum bem ou a
prestação de serviços.
O Código Civil brasileiro define a prestação de serviços como
«Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, [que]
pode ser contratada mediante retribuição».
5
Além disso, determina
que toda e qualquer prestação de serviços que não for regulada pelas
leis trabalhistas ou lei especial, estão submetidas ao código civilista.
6
Ao contrário do Direito do Trabalho, em que a relação jurídica
é pautada na hipossuficiência de um dos agentes –o empregado– e no
princípio de proteção, a prestação de serviços tipicamente regulada
pelo CC brasileiro está pautada na paridade econômica dos agentes,
que possuem poder de barganha compatível e não estão em situação
de vulnerabilidade econômica, e na liberdade de contratar submetida
apenas ao princípio da legalidade.
Para além da relação comercial, há quem defenda que a relação
entre um prestador de serviços e o cliente (seja pessoa física ou jurí-
dica) também pode ser de consumo. No Brasil, a Lei n.º 8.078/90
5 Código Civil (2002). Lei 10.406. Brasília, 10 de janeiro de 2002. https://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
6 O art. 593 do Código Civil dispõe que «A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis
trabalhistas ou a lei especial, reger se-á pelas disposições deste Capítulo». Código Civil (2002).
Lei 10.406. Brasília, 10 de janeiro de 2002. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/
l10406compilada.htm
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(chamado de Código de Defesa do Consumidor ou CDC) define o
consumidor como sendo aquele que adquire um produto ou serviço,
na qualidade de destinatário final.
7
Fornecedor, por sua vez, é aquele
que desenvolve atividade de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercializa-
ção de produtos ou prestação de serviços.
Nas palavras de Mauro Schiavi, a «relação de consumo, cujo
trabalho é prestado por pessoa física, em muito se assemelha ao trabalho
autônomo, porquanto a responsabilidade do profissional liberal é
subjetiva» (Schiavi, 2021, p. 89).
Por outro lado, Arnaldo Süssekind
e Ives Gandra Martins Filho discordam dessa corrente, e entendem
ser inquestionável que a relação entabulada entre um profissional
liberal e o cliente é de trabalho, pois o objeto do contrato é a própria
prestação de serviços, enquanto em uma relação de consumo o objeto
é o produto ou serviço consumível (Süssekind, 2009, 23-24).
De qualquer forma, nesta modalidade de relação, aplica-se o
Direito Civil (e, sendo o caso, também o Direito do Consumidor) e
a competência para julgamento de conflitos é atraída para a Justiça
Estadual, conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal
de Justiça
8
(STJ) por meio da Súmula n.º 363, que estabelece que
«Compete à Justiça estadual processar e julgar a ação de cobrança
ajuizada por profissional liberal contra cliente».
3.2. A Relação de Trabalho Como Gênero
A relação de trabalho, por sua vez, é caracterizada como toda e
qualquer relação jurídica que não se enquadre na relação empregatícia
estabelecida pelo art. 3 da CLT em que há, de um lado, uma obrigação
7 O art. 2 do CDC dispõe que «Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final». In Código de Defesa do Consumidor
(1990). Brasília, 11 de setembro de 1990. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l8078compilado.htm
8 Diferentemente do STF, o STJ é a corte responsável por julgar os processos que discutem a
interpretação de lei federal.
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
de fazer na forma de prestação de serviços centrada no labor humano
e, de outro, um objetivo final.
Para Arnaldo Süssekind, a relação de trabalho possui um
conceito amplo e simples, podendo ser caracterizada como o «vínculo
jurídico estipulado, expressa ou tacitamente, entre um trabalhador e
uma pessoa física ou jurídica, que o remunera pelos serviços prestados.
Ela vincula duas pessoas, sendo que o sujeito da obrigação há de
ser uma pessoa física, em relação à qual o contratante tem o direito
subjetivo de exigir o trabalho ajustado» (Süssekind, 2009, p. 17).
Nesse mesmo sentido, o Ministro Maurício Godinho Delgado
(Delgado, 2019, p. 333) assim define a relação de trabalho:
refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem
sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer
consubstanciada em labor humano. (...) A expressão relação
de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a
relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de
trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação
de labor (como trabalho de estágio, etc.). Traduz, portanto, o
gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de
prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual (...).
É, em síntese, o conjunto de atividades, produtivas ou criativas,
que o homem exerce para atingir determinado fim.
Em outras palavras, pode-se dizer que a relação de trabalho seria
um gênero, no qual estão compreendidas todas as formas de prestação
de serviços que tenham por base o labor humano (pessoa física),
enquanto a relação de emprego, que será abordada no subtópico
seguinte, seria uma de suas espécies.
Nesse mesmo sentido, para Estêvão Mallet, a relação de trabalho
«Abrange todas as relações jurídicas em que há a prestação de trabalho
por pessoa natural a outra pessoa, natural ou jurídica, tanto no âmbito
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de contrato de trabalho (art. 442 da CLT) como, ainda, no de contrato
de prestação de serviços (arts. 593 e ss. do Código Civil)» (Mallet, 2005).
Essa distinção é importante não apenas para fins de reconheci-
mento do vínculo empregatício, mas especialmente para que se possa
identificar a jurisdição competente para julgamento de eventual
conflito decorrente da relação jurídica em discussão, já que, como visto
no tópico anterior, não se tratando de relação de trabalho, a Justiça
do Trabalho não possui competência para analisar eventual conflito
decorrente da relação em discussão.
É importante ressaltar, contudo, que essa categoria de profis-
sionais passou apenas a ter o seu direito de ação perante a Justiça do
Trabalho, mas o direito material a ser utilizado, como analisado no
tópico anterior, mantém-se o Direito Civil (Adorno
Junior, 2012, n.º 7).
3.3. A Relação de Emprego Como Espécie
A «relação de emprego» é tradicionalmente considerada a mais
importante dentre as espécies do gênero «relação de trabalho».
9
No
Brasil, em especial, Maurício Godinho aponta que a relação de traba-
lho assume uma grande relevância «por ter dado origem a um universo
orgânico e sistematizado de regras, princípios e institutos jurídicos
próprios e específicos, também com larga tendência de expansionismo
– o Direito do Trabalho» (Delgado, 2019, n.º 15, p. 334).
Para que a relação de emprego seja caracterizada, o legislador
estabeleceu no art. 3 da CLT os seguintes requisitos a serem observados:
(1) serviços prestados por pessoa física; (2) existência de pessoalidade;
(3) serviços prestados de forma não eventual; (4) existência de onero-
sidade; e (5) existência de subordinação.
9 Com o contraponto recente de inúmeras iniciativas legislativas de regulamentar relações de
trabalho que não sejam de emprego, notadamente por intermédio de plataformas digitais, de
modo a prover-lhes algum colchão de seguridade social, como o Projeto de Lei (PL) 1471/22:
https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2325768
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
Para que um prestador de serviços seja considerado empregado,
o contrato deve ser firmado com intuitu personae; prestado de
forma habitual, constante e regular; submetido ao poder diretivo do
empregador; e, por fim, deve existir uma contraprestação na forma de
remuneração.
Dentre esses requisitos, a subordinação é tida como a mais
relevante pela doutrina (Delgado, 2019, n.º 15, p. 348; Adorno, 2012,
n.º 7) e jurisprudência, na medida em que é o traço que distingue de
forma decisiva a relação de emprego das demais formas de contratação
inseridas no contexto da relação de trabalho.
Isso porque a pessoalidade, onerosidade, não eventualidade
e onerosidade são inerentes à quase todas as formas de prestação de
serviços ou relações jurídicas – inclusive a comercial. A subordinação,
por sua vez, trata-se de um «fenômeno jurídico, derivado do contrato
estabelecido entre trabalhador e tomador de serviços, pelo qual o
primeiro acolhe o direcionamento objetivo do segundo sobre a forma
de efetuação da prestação do trabalho» (Delgado, 2019, n.º 15, p. 350).
Passados cerca de 60 anos da promulgação da CLT, como
aponta Gabriela Delgado (Delgado et al., 2022, 203),
hoje existem
diversas formas de subordinação diferentes daquela subordinação
jurídica clássica pensada pelo legislador à época. Dentre elas, pode-se
citar a subordinação estrutural, em que o indivíduo está estrutural-
mente subordinado ao empregador e sua dinâmica operativa; a
parassubordinação, por meio do qual o indivíduo está submetido
a uma espécie de coordenação; e, ainda mais recente, a chamada
subordinação algorítmica, por meio da qual o empregador, por meio de
plataformas digitais, se vale de algoritmos para controlar o empregado
(Delgado et al., 2022, p. 204).
10
10 «(...) as mudanças sociais e tecnológicas tornaram possível um novo panorama (...). As
empresas, então, começaram a explorar uma relação tridimensional de trabalho que deixou de
ser plenamente compreendida apenas pelo uso do conceito clássico da subordinação jurídica».
132
Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
Esses são apenas alguns dos exemplos das mais recentes
teorias jurídicas e discussões sobre as novas formas de subordinação,
tópico que, embora relevante, não será aprofundado no presente
trabalho em razão do seu escopo –análise do conflito de competência
jurisdicional nos casos de autônomos– e que apenas se menciona
para ilustrar como essa controvérsia gera um problema de jurisdição,
já que a competência da Justiça do Trabalho, matéria preliminar,
necessariamente depende da análise do mérito –existência ou não do
vínculo ou relação de trabalho.
3.4. O Trabalhador Autônomo e a Inclusão Do Art. 442-B da
CLT Pela Reforma Trabalhista
O trabalhador autônomo é o profissional que presta serviços sem estar
subordinado ao seu contratante, na forma típica prevista no art. 3 da
CLT. Neste caso, seu contrato é regido pelos arts. 593 a 709 do CC
brasileiro e possui como objeto a prestação de serviços «por conta
própria» (Nascimento e Nascimento, 2014, p. 798).
O trabalhador autônomo clássico era representado pelos cha-
mados «profissionais liberais», que sempre exerceram sua profissão com
independência, geralmente assegurada por regulamentos profissionais
e órgãos de classe, especialmente intelectual, não se enquadrando nos
moldes do empregado da CLT. São exemplo os médicos, advogados,
contabilistas, engenheiros, arquitetos, dentistas e representantes
comerciais. Com o avanço da tecnologia e a mudança nos sistemas
de produção, houve um aumento exponencial nas modalidades de
trabalho autônomo, a exemplo dos free lancers ou «PJ» em geral e,
recentemente, os motoristas de aplicativo, que não se submetem a
dias, horários nem rotinas de trabalho predeterminadas.
Diante da relevância dada à relação de emprego no Brasil,
por muitos anos, praticamente toda forma diversa de contratação,
que não aquela formalizada pelo clássico contrato de trabalho, era
considerada fraudulenta, sob o argumento de que teria como objetivo
133
Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
burlar a legislação trabalhista e os encargos decorrentes de uma típica
relação de emprego.
Há quem defenda que o trabalho autônomo seria uma «nova»
relação jurídica, criada pela sociedade contemporânea como meio de
precarização do trabalho e redução dos custos associados à contratação
de um empregado típico, deixando a mão de obra mais barata
(Nascimento e Nascimento, 2014, n.º 25, p. 194). Esse estigma existe,
especialmente, porque quase metade da população brasileira exerce
sua profissão na condição de trabalho informal (i.e., sem relação de
emprego).
11
Para Amauri Mascaro Nascimento:
A razão de ser da atenção para ele voltada [o trabalho autô-
nomo] situa-se na precarização desse trabalho, que passou a
ser, em diversos casos, praticado em piores condições que as
dos empregos por meio de contratos. Constitui-se ainda numa
forma de «escapar» das exigências legais e do custo do trabalho
subordinado. (Nascimento e Nascimento, 2014, n.º 25, p. 164)
Ao nosso ver, contudo, tal interpretação parece equivocada.
Amauri Mascaro Nascimento aponta que «o modelo de regulação
socioeconômica no qual se apoiava o direito do trabalho desde o início
do século está em crise» (Nascimento e Nascimento, 2014, n.º 25,
p. 164). Por este motivo, vem havendo uma retipificação do trabalho,
para atender tanto os interesses do setor empresarial (neste caso, com
a redução do custo da mão de obra e maximização da produção),
quanto dos profissionais, que cada vez mais prezam por sua autonomia
e liberdade no mundo contemporâneo.
11 De acordo com o estudo Retrato do Trabalho Informal no Brasil: Desafios e Caminhos de
Solução, elaborado pela Fundação Arymax, em 2019 os trabalhadores no setor informal
correspondiam a 41.6 % do setor econômico. https://retratodotrabalhoinformal.com.br/
website/wp-content/uploads/2022/06/Retrato-do-Trabalho-Informal-no-Brasil.pdf
134
Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
É diante desse contexto que o contrato de trabalho típico da
CLT deixa de ser o ponto central das relações de trabalho, dando
espaço para as diversas formas de contratação e de trabalho autônomo
(Nascimento e Nascimento, 2014, n.º 25, p. 165). Portanto, sob os
contextos modernos e dinâmicos supervenientes à CLT, chega-se à
conclusão de que a relação jurídica para qual ela foi concebida não é
a única forma de contratação, nem necessariamente a mais vantajosa
para o trabalhador, ainda que seja a mais comum.
Em 2009, muito antes do início das discussões de uma
possível reforma na CLT, Arnaldo Süssekind já havia reconhecido a
existência do profissional autônomo no Brasil. De acordo com seu
entendimento:
O empregado distingue-se do trabalhador autônomo, porque,
além de ficar juridicamente subordinado ao poder de comando
do empregador, este é que assume todo o risco da atividade
econômica empreendida. Já o autônomo executa o trabalho que
contrata por vontade própria e assume o risco dessa atividade,
explorando sua força de trabalho em seu benefício. (Süssekind,
2009, n.º 12, p. 18)
É diante desse contexto que, em 2017, a Reforma Trabalhista
incluiu o art. 442-B na CLT, passando a reconhecer a validade da
contratação de autônomos, e estabelecendo a legalidade daqueles
que, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, prestam
serviços a um tomador e não são considerados empregados, desde que
cumpridas as formalidades legais.
12
12 Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com
ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado. Brasil.
Consolidação das Leis do Trabalho (1943). Decreto-Lei n.
o
5.452. Brasília, 10 de maio de
1943. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm
135
Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
Nas palavras de Paulo Roberto Ebert:
O verdadeiro autônomo passível de ser contratado na forma
do novel art. 442-B da CLT (LGL\1943\5) é, portanto,
aquele que detém, efetivamente, os meios de produção
necessários à realização de suas atividades e que organiza, de
forma discricionária, os insumos e a metodologia necessários à
prestação dos serviços. É ele, enfim, o individuo que não está
vinculado à estrutura diretiva, disciplinar, econômica e técnica
de uma ou mais empresas e que possui, por isso mesmo, margem
preponderante de liberdade para negociar preços e condições
com seus clientes. Pode-se dizer, nesse sentido, que o verdadeiro
autônomo reúne, sob a condição de prestador de serviços, a
essência da definição utilizada pelo art. 966 do Código Civil
(LGL\2002\400) para a configuração do empresário, mesmo
sem sê-lo formalmente. Com efeito, o conceito legal em
referência pressupõe, justamente, as condições elementares
para a livre iniciativa de atuação no mercado, quais sejam: (i)
a independência na organização e a sistematização dos fatores
técnicos e materiais de produção; e (ii) a circulação de bens e
serviços por intermédio da realização de uma efetiva atividade
econômica, com a correspondente geração de resultados
financeiros para o indivíduo em questão e não para os pretensos
tomadores de serviços. (Ebert, 2018, p. 22)
Embora o dispositivo pareça supérfluo por enunciar uma
legalidade condicionada que já existiria sob o Código Civil, seu valor
é inegável como uma declaração liberal de que a CLT não contém a
fórmula universal para as relações de trabalho, senão para as relações
de emprego.
Tendo em vista o caráter liberal do referido dispositivo legal,
embora sua legalidade não tenha sido formalmente questionada
perante o STF, desde a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, ele
136
Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
vem sendo alvo de críticas conservadoras, tanto pela doutrina quanto
pela jurisprudência, em especial sob o argumento de que o legislador
estaria dificultando a aplicação do art. 9 da CLT (Casagrande e
Gozdecki, 2018, p. 116) e validando as relações simuladas que possuem
intuito de fraudar legislação trabalhista.
Nesse contexto, a Associação Nacional dos Magistrados da
Justiça do Trabalho (Anamatra) editou o Enunciado 53, aprovado
na 2ª Jornada de Direito Material e Processual (2017) propondo a
interpretação do art. 442-B da CLT conforme a Constituição, no
sentido de se presumir
o vínculo empregatício diante da prestação de serviços contínua
e exclusiva, uma vez que a relação de emprego é direito
fundamental (arts. 1o, III e IV, 5o, caput e 7o da CF/1988),
devendo o art. 442-B da CLT ser interpretado conforme a
Constituição Federal para afastar a caracterização do trabalho
autônomo sempre que o trabalhador, não organizando a
própria atividade, tenha seu labor utilizado na estrutura do
empreendimento e integrado à sua dinâmica.
Essa interpretação, contudo, nos parece equivocada, ou até
estreita e parcial, pois, como visto, o trabalhador autônomo
sempre existiu no ordenamento jurídico brasileiro e somente não
estava expressamente previsto na CLT em razão de sua natureza
preponderantemente comercial. Por exemplo, como um espelho ao
art. 442-B, o art. 593 do CC determina que «A prestação de serviço,
que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á
pelas disposições deste Capítulo» (Código Civil, 2002).
Logo, o art. 442-B não é uma inovação na legislação brasileira,
nem é contraditório ao regime da CLT, mas sim uma regulamentação
de uma modalidade de contratação já existente e que, por muito
tempo, comportou dúvidas quanto à sua validade, sobretudo em
137
Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
razão da predisposição existente nos Tribunais Regionais do Trabalho
de invalidar formas de contratação diferentes do contrato de trabalho
típico estabelecido pelo art. 3 da CLT.
3.5. A Análise da Natureza Jurídica Das Diferentes Formas de
Contratação Como Questão Preliminar Afeta À Competência
e o Princípio da Primazia da Realidade
Embora a definição da natureza jurídica da forma de contratação seja
matéria diretamente relacionada ao mérito das demandas, sua análise
é questão preliminar para definição do tribunal competente para
processamento e julgamento da ação. Para que o juiz possa processar
e julgar determinada demanda, é preciso, necessariamente, que se
verifique a natureza jurídica da relação contratual estabelecida entre
as partes. Sendo oriunda de uma relação de trabalho, a Justiça do
Trabalho é competente; sendo decorrente de uma relação comercial, a
Justiça Comum seria competente.
Em outras palavras, temos um paradoxo: antes de decidir o
mérito do processo, o juiz precisa decidir se o mérito da causa é civil
ou trabalhista para determinar a sua competência. Metaforicamente,
a ação que reclama vínculo de emprego é o Gato de Schrödinger do
direito brasileiro.
Esse, inclusive, foi o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça em 2019 no Conflito de Competência 164.544, que precisou
analisar a natureza jurídica da relação estabelecida entre a Uber seu
motorista para que se pudesse declarar o juízo competente. O Ministro
Moura Ribeiro, relator do caso, estabeleceu que «A competência
ratione materiae, via de regra, é questão anterior a qualquer juízo sobre
outras espécies de competência e, sendo determinada em função da
natureza jurídica da pretensão, decorre diretamente do pedido e da
causa de pedir deduzidos em juízo». Na ocasião, contudo, entendeu-se
pela existência de uma relação comercial entre a empresa e o motorista,
remetendo-se os autos à Justiça Comum.
138
Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
Para se analisar tal relação jurídica, seja na Justiça Comum ou na
Justiça do Trabalho, o julgador deve se pautar no princípio da primazia
da realidade, que se trata de um princípio implícito na CLT e que
norteia o Direito do Trabalho. Esse princípio estabelece que o Julgador
deve se ater à realidade dos fatos, em detrimento de prova documental
(Leite, 2022, p. 218).
Nos casos em que se discute o vínculo empregatício, esse
princípio é essencial. Para exemplificar: independente da existência de
um contrato de prestação de serviços com um autônomo, por meio de
sua pessoa jurídica, por exemplo, o julgador deverá focar sua análise
nos fatos que permeiam a execução dos serviços para verificar se foram
preenchidos os requisitos da pessoalidade, subordinação, onerosidade
e habitualidade previstos no art. 3 da CLT. Estando comprovados
os requisitos, reconhece-se o vínculo, independente da existência de
prova documental em sentido diverso. Não é, ou não deveria ser, tarefa
simples que se cumpre com um exame superficial. Frequentemente,
o juiz precisa investigar tais elementos com apoio em testemunhas e
extrair da registros da comunicação (geralmente e-mails).
Justamente por este motivo, quando se está diante de uma ação
em que há discussão acerca da natureza jurídica da relação contratual,
há que se inverter a ordem de análise das matérias, para que o mérito
seja previamente analisado, já que a conclusão sobre a natureza jurídica
da relação afeta diretamente a análise preliminar do juízo competente
para julgamento.
4. O PAPEL DO STF BRASILEIRO NA INTERPRETAÇÃO
DE NORMAS TRABALHISTAS E SEU ENTENDIMENTO
ACERCA DAS FORMAS ALTERNATIVAS DE
CONTRATÃO DE PRESTADORES DE SERVIÇOS
«Esse outro desconhecido» foi como o ex-ministro Aliomar Baleeiro
certa vez se referiu ao Tribunal que presidiu de 1971 a 1973.
Depois de muitos anos discretos decidindo silenciosamente temas
139
Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
constitucionais com os quais apenas os atores jurídicos tinham
familiaridade, o STF passou a ter suas sessões transmitidas por canal
aberto de televisão e tornou-se assunto quotidiano nos jornais e
noticiários mercê das investigações de 2005 sobre as relações suspeitas
entre os Poderes Executivo e Legislativo que ficou conhecida como
«Mensalão» (Recondo e Weber, 2019).
Desde então, o STF tornou-se conhecido nem tanto pelo
controle constitucional das leis que sempre exerceu, mas por um
papel político e pelo seu ativismo judicial de tendência proativa na
interpretação de normas jurídicas, tanto constitucionais quanto
infraconstitucionais.
13
Isso não chega a ser surpresa em razão do seu
papel de «guardião» (Mendes e Branco, 2012, p. 1308) da constituição
rica em direitos sociais, inclusive dos trabalhadores.
O presente capítulo tem por objetivo analisar o papel do
STF no ordenamento jurídico brasileiro sob a ótica do controle de
constitucionalidade e realizar uma análise sobre suas decisões recentes
acerca das diferentes formas de contratação existentes no Brasil.
4.1. O exercício do controle de constitucionalidade no Brasil
pelo STF
O controle de constitucionalidade possui como principal objetivo
garantir o cumprimento da Constituição Federal e manutenção da
coerência das leis e decisões judiciais com seus comandos. O Poder
Judiciário brasileiro exerce o controle de constitucionalidade de duas
formas: na modalidade concentrada e difusa. O controle concentrado
é exercido por uma Corte Constitucional –neste caso, o STF– via ação
declaratória de constitucionalidade e inconstitucionalidade. O STF
é instado a declarar, de forma expressa, a constitucionalidade ou
inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo federal
(art. 102, I, «a», da Constituição). O controle difuso, por sua vez,
13 Por exemplo, o reconhecimento aos direitos das relações homoafetivas, a criminalização da
homofobia sob a capitulação do crime de racismo.
140
Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
«assegura a qualquer órgão judicial incumbido de aplicar a lei a um
caso concreto o poder-dever de afastar a sua aplicação se a considerar
incompatível com a ordem constitucional», incluindo o próprio STF
(Mendes e Branco, 2012, n.º 39, p. 1428).
Além das referidas ações, o STF também atua pela via
das «reclamações constitucionais», prevista no art. 102, I, «l», da
Constituição, para preservar a competência e garantir a autoridade
de suas decisões sobre outras de instâncias inferiores. Todavia, de
acordo com o Ministro Gilmar Mendes, a reclamação constitucional
«não mais se destina apenas a assegurar a competência e a autoridade
de decisões específicas e bem delimitadas do Supremo Tribunal
Federal, mas também se constitui como ação voltada à proteção da
ordem constitucional como um todo» (Mendes e Branco, 2012, n.º 39,
p. 1887).
A partir dessas ações, o STF exerce seu papel de guardião da
Constituição e mantém a coesão do ordenamento jurídico brasileiro,
orientando os demais tribunais para que se preserve a uniformidade
nas decisões.
4.2. O posicionamento do STF nos últimos cinco anos
A partir desse contexto, passamos a analisar as decisões recentes do
STF no âmbito da interpretação das relações de trabalho. Embora
os temas discutidos nas ações que serão analisadas sejam de extrema
relevância, tendo em vista o escopo do presente trabalho, este capítulo
será limitado à análise sob a ótica do entendimento do Supremo acerca
da validade das diferentes formas de contratação de prestadores de
serviços no Brasil.
4.2.1. DPF 324 e RE 958.252/MG
Em 2018, o STF proferiu uma de suas decisões mais emblemáticas
no contexto do Direito do Trabalho: os acórdãos proferidos nos
141
Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
autos da ADPF 324,
14
de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso,
e do RE 958.252/MG,
15
relatoria do Ministro Luiz Fux. Em ambos
os processos, discutia-se a constitucionalidade da terceirização da
atividade-fim e responsabilização dos tomadores pelas obrigações
trabalhistas decorrentes dos empregados terceirizados.
Naquela ocasião, iniciaram-se as discussões acerca da validade
das diferentes formas de contratação resultantes das dinâmicas
econômicas modernas, com o foco na terceirização. Entendeu-se que
a proteção da Constituição aos direitos sociais e trabalhistas não
impede o desenvolvimento de estratégias empresariais mais flexíveis,
como a terceirização, e que o Direito do Trabalho deve se adequar às
constantes transformações no mercado de trabalho e na sociedade.
Foi reafirmada, assim, a importância do princípio da livre iniciativa,
que assegura aos agentes econômicos a autonomia para elaborar
estratégias que tragam maior eficiência econômica e competitividade,
sempre que não forem concebidos como burla à lei, por exemplo,
mediante simulação.
Os referidos acórdãos originaram as discussões hoje mantidas
na tribuna do STF acerca das diferentes formas de contratação
admitidas pela legislação trabalhista. Estes casos traçaram a linha de
entendimento que seria seguido pelos próximos anos, apresentando-
se, desde o início, os Ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux com
tendências mais flexíveis, enquanto os Ministros Edson Fachin, Rosa
Weber e Lewandowski apresentaram votos divergentes.
Na ADPF 324, fixou-se a seguinte tese: «1. É lícita a terceirização
de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando
relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada.
2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a
14 Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADPF 324, Tribunal Pleno, Relator Ministro Luís Roberto
Barroso, DEJT 06/09/2019.
15 Brasil. Supremo Tribunal Federal. RE 958.252/MG, Tribunal Pleno, Relator Ministro Luiz
Fux, DEJT 12/09/2019.
142
Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente
pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por
obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993».
N.º RE 958.252/MG, por sua vez, fixou-se a seguinte tese: «É lícita
a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre
pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social
das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da
empresa contratante».
4.2.2. ADC 48 e Rcl 43.544/MG
Pouco tempo depois, no início de 2020, o STF foi novamente instado
a se manifestar sobre a validade da terceirização da atividade-fim sob
a ótica constitucional, desta vez na ADC 48, de relatoria do Ministro
Luís Roberto Barroso, cujo objetivo era analisar a constitucionalidade
das disposições da Lei 11.442/2007, que versa sobre transporte
rodoviário de cargas e os transportadores autônomos.
16
Na ocasião,
ao analisar a validade do art. 5
17
da Lei 11.442/2007, foram feitos
importantes apontamentos acerca da possibilidade de outras relações
jurídicas válidas perante o ordenamento jurídico trabalhista brasileiro,
que não a de emprego.
O STF reafirmou assim a validade a priori de formas de trabalho
alternativas ao vínculo de emprego da CLT. O Ministro Luís Roberto
Barroso pontuou que «as normas constitucionais de proteção ao
trabalho não impõem que toda e qualquer relação entre o contratante
de um serviço e o seu prestador seja protegida por meio da relação de
16 Tese fixada: «1.- A Lei 11.442/2007 é constitucional, uma vez que a Constituição não veda a
terceirização, de atividade-meio ou fim. 2.- O prazo prescricional estabelecido n.
o
18 art. da Lei
11.442/2007 é válido porque não se trata de créditos resultantes de relação de trabalho, mas de
relação comercial, não incidindo na hipótese o art. 7o, XXIX, CF. 3.- Uma vez preenchidos os
requisitos dispostos na Lei n.º 11.442/2007, estará configurada a relação comercial de natureza
civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista».
17 As relações decorrentes do contrato de transporte de cargas de que trata o art. 4o desta Lei
são sempre de natureza comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de
vínculo de emprego. In Brasil, 11.442. Brasília, 5 de janeiro de 2007. https://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11442.htm
143
Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
emprego»,
18
como forma de demonstrar que nem toda relação jurídica
de prestação de serviços é ou deve ser caracterizada por uma relação
de emprego. Foi fixada a tese, então, de que «Uma vez preenchidos
os requisitos dispostos na Lei n.º 11.442/2007, estará configurada a
relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo
trabalhista», com a ressalva necessária de que, se preenchidos os
requisitos do vínculo de emprego previsto no art. 3 da CLT, a relação
comercial e disposições da Lei n.º 11.442/2007 estaria afastada.
Os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber abriram divergência
para frisar a importância da observância do princípio da primazia da
realidade. Para ambos, não se pode haver uma presunção de validade
da relação comercial estabelecida entre o transportador autônomo e
seu contratante, mas, sim, o contrário: deve-se comprovar que não há
relação empregatícia para, então, se reconhecer a validade da relação
comercial.
Em fevereiro de 2021, o mesmo tema foi suscitado novamente,
desta vez em forma de Reclamação Constitucional (Rcl 43.544/
MG). Na ocasião, a Ministra Rosa Weber ficou vencida em seu voto,
prevalecendo o do Ministro Alexandre de Moraes, que reforçou que
as relações envolvendo transportadores autônomos possuem natureza
jurídica de relação comercial, devendo ser analisadas pela Justiça
comum. O Ministro redator apontou o seguinte:
19
Assim, mesmo que a «decisão reclamada não [trate] de pedido
fundado no contrato comercial de transporte de cargas, mas em
fraude à legislação trabalhista, por configurados os requisitos
previstos nos arts. 2º e 3º da CLT na execução das atividades»,
conforme defendido pela Ministra Relatora em seu voto, creio
18 Brasil, Supremo Tribunal Federal. ADC 48, Tribunal Pleno, Relator Ministro Luís Roberto
Barroso, DEJT 19/05/2020.
19 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Rcl. 43.544/MG, 1.ª Turma, Relatora Ministra Rosa Weber
(Redator: Ministro Alexandre de Moraes), DEJT 02/03/2021.
144
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José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
que «a discussão sobre a presença dos pressupostos e requisitos
legais deve ser apreciada pela Justiça Comum. Somente nos casos
em que a Justiça Comum constate que não foram preenchidos
os requisitos dispostos na Lei n.º 11.442/2007, a competência
passaria a ser da Justiça do Trabalho». (Rcl. 43.982, Rel. Min.
Roberto Barroso, DJe de 21/10/2020, decisão monocrática)
Dessa forma, o STF assentou o entendimento no sentido de
que, além da constitucionalidade da Lei 11.442/2007, a relação
entabulada entre o transportador autônomo e seu contratante é
comercial a priori, salvo fraude, não havendo competência da Justiça
do Trabalho para julgar as suas ações. Caso, contudo, a Justiça
Comum verifique que os requisitos da legislação especial não estejam
presentes, deve-se remeter o processo à Justiça do Trabalho para que
decida sobre o vínculo empregatício.
4.2.3. RE 606.003/RS
Ainda em 2020, chegou ao STF nova controvérsia relacionada
ao vínculo de emprego, desta vez sob a ótica dos representantes
comerciais e fora da extensa discussão sobre a terceirização. O RE
606.003/RS
20
tinha como objeto a análise do juízo competente para o
julgamento de ação de cobrança de comissões sobre vendas decorres
de um contrato de representação comercial autônoma.
O relator, Ministro Marco Aurélio, teve seu voto vencido pelo
voto do Ministro Luís Roberto Barroso, que fixou a seguinte tese:
«Preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65, compete à
Justiça Comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídi-
ca entre representante e representada comerciais, uma vez que não há
relação de trabalho entre as partes».
20 Brasil. Supremo Tribunal Federal. RE 606.003/RS, Tribunal Pleno, Relator Ministro Marco
Aurélio, DEJT 13/10/2020.
145
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
Inicialmente, o Ministro Marco Aurélio propôs a tese de que
«Compete à Justiça do Trabalho julgar conflito de interesse a envolver
relação jurídica entre representante e representada comerciais». Seu
entendimento, baseado na interpretação do art. 114 da Constituição,
seria de que controvérsias decorrentes de relações de trabalho, ainda
que indiretamente, devem ser julgadas pela Justiça do Trabalho.
O Ministro Luís Roberto Barroso fez importantes considerações
em seu voto, reforçando seu entendimento exposto nos autos da ADPF
324 e RE 958.252/MG vistos acima, estabelecendo que «a proteção
constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer relação
entre o contratante de um serviço e o seu prestador seja protegida por
meio da relação de trabalho». E mais: pontuou que, nos termos da
Lei 4.886/65, o representante comercial exerce atividade empresarial,
tratando-se de uma relação comercial.
21
É importante destacar que seu voto afirmou que a competência
material é definida pelo pedido e causa de pedir. Naquela hipótese,
não havia discussão acerca do vínculo, mas apenas sobre as comissões
decorrentes da relação entabulada entre as partes, de modo que,
seguindo o entendimento do Conflito de Competência 7.950, «tendo
como causa de pedir relação jurídica regida pela CLT e pleito de
reconhecimento do direito a verbas nela previstas, cabe à Justiça do
Trabalho julgá-la».
Verifica-se, portanto, que em mais uma oportunidade, prevale-
ceu no STF o entendimento de que, não é toda relação jurídica
envolvendo uma prestação de serviços que deve ser regida pela CLT,
sob o manto constitucional de proteção ao trabalhador, na medida em
que a economia admite, hoje, diferentes formas de contratação, em que
subsiste uma relação comercial, sendo, por outro lado, direcionada à
21 Brasil. Supremo Tribunal Federal. RE 958.252/MG, Tribunal Pleno, Relator Ministro Luiz
Fux, DEJT 12/09/2019, p. 14.
146
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José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
Justiça do Trabalho a ação cuja controvérsia seja justamente a existência
do vínculo trabalhista da CLT.
4.2.4. ADI 5.625
Pouco tempo depois, o STF foi acionado para examinar sobre a
validade da Lei 13.352/2016, que dispõe sobre o contrato de parceria
entre esteticistas e salões de beleza. O Ministro Edson Fachin,
relator da ADI 5.625, teve seu voto vencido pelo entendimento do
Ministro Nunes Marques, redator do acórdão, que fixou a seguinte
tese coerente com o caminho trilhado em teses anteriores: «1) É
constitucional a celebração de contrato civil de parceria entre salões
de beleza e profissionais do setor, nos termos da Lei n.º 13.352, de 27
de outubro de 2016; 2) É nulo o contrato civil de parceria referido,
quando utilizado para dissimular relação de emprego de fato existente,
a ser reconhecida sempre que se fizerem presentes seus elementos
caracterizadores».
22
O relator vencido e a Ministra Rosa Weber, em seus votos,
apresentaram como principal crítica a suposta intenção da Lei
13.352/2016 em mascarar a relação de emprego por princípio,
contrariando a CLT. O Ministro Nunes Marques, todavia, esclareceu
que a referida norma «não tem (...) o efeito de afastar a priori relações
de emprego em casos de constituição irregular da parceria, com todas
as consequências jurídicas que lhes são próprias».
De acordo com o redator, não se ignora a observância do
princípio da primazia da realidade, mas não se pode deixar de lado
o fato de que há outras relações jurídicas, também válidas perante
a Constituição e o ordenamento jurídico trabalhista, mas que não
necessitam da proteção dada ao contrato de trabalho comum regido
pela CLT: Veja-se os termos do seu voto:
22 Brasil. Supremo Tribunal Federal. RE 958.252/MG, Tribunal Pleno, Relator Ministro Luiz
Fux, DEJT 12/09/2019, p. 14.
147
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
Com a evolução dos tempos e a complexidade das tramas
sociais, a refletirem tais avanços, modelos alternativos de rela-
ções de trabalho têm surgido naturalmente. O vínculo de
emprego não deve ser o único regime jurídico a disciplinar o
trabalho humano. Com efeito, a produção de bens e serviços
ocorre das mais variadas formas, e não exclusivamente por
meio do sistema caracterizado pela presença de um empresário
e seus empregados. O princípio da valorização do trabalho
não se concretiza apenas com a tradicional fórmula do vínculo
empregatício, em absoluto. Para sua perfectibilização, há de
se facultar tanto ao trabalhador como aos empreendedores
opções legítimas para que exerçam seu ofício sob a égide de
regimes jurídicos resilientes, ajustáveis às mudanças sociais
e culturais – eventualmente livres, por exemplo, de subordi-
na ção e dos limites remuneratórios característicos de um salário
que tenha sido previamente contratado. Isso é conveniente
para todos os atores econômicos e também para a sociedade
em geral.
23
Parece claro que o STF vem sedimentando tal entendimento,
por meio de suas diversas decisões sobre diferentes situações, dando
espaço às novas formas de contratações existentes, em detrimento
do «preconceito» fortemente existente, em especial na Justiça do
Trabalho, com as formas alternativas de contratação para prestação
de serviços.
4.2.5. Decisões proferidas nas Reclamações Constitucionais
De acordo com o acervo «Corte Aberta» do STF, somente em
2023, das 7.333 Reclamações Constitucionais recebidas pela Corte
Máxima, 4.080 possuem como tema «Direito do Trabalho» ou
23 Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI 5.625, Tribunal Pleno, Relator Ministro Edson Fachin
(Redator Ministro Nunes Marques), DEJT 29/03/2022.
148
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José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
«Direito Processual Civil e do Trabalho», o que representa cerca de
55 % das ações.
24
Isso ocorre porque as decisões proferidas pelo STF mencio-
nadas nos tópicos anteriores originaram uma série de Reclamações
Constitucionais contra decisões da Justiça do Trabalho. Assim,
especialmente a partir de 2022, o STF se deparou com diversas
Reclamações enfrentando o tema do vínculo empregatício nas mais
diversas relações, como no setor de profissionais autônomos (médi-
cos e advogados), motoristas de aplicativos e PJ em geral, e foram
proferidas diversas decisões solidificando o entendimento traçado
desde 2018 na ADPF 324.
Nesse contexto, julgou-se a Rcl 47.843/BA, de relatoria da
Ministra Carmen Lúcia, em que se discutia a validade da contratação
de médicos por meio de pessoas jurídicas. Na ocasião, a relatora, que
inicialmente mantinha sua decisão monocrática de improcedência
da ação, teve seu voto vencido pelo voto do Ministro Alexandre de
Moraes, que estabeleceu que, conforme os diversos precedentes
recentes do Supremo, a contratação de médicos por PJ é lítica. O
voto vencedor pontuou, ainda, que «Sabemos que isso ocorre hoje
não só na questão médica, mas em inúmeras outras atividades,
dentro da possibilidade de se permitir a prestação de serviço, a
possibilidade de terceirização lícita da atividade-fim, não podendo,
como disse, ser penalizado pela decisão dos tribunais trabalhistas».
25
Complementando o voto vencedor, Luís Roberto Barroso
ainda apontou que «Estamos lidando com médicos que, inclusive, e
com muita frequência, têm diversos trabalhos e, portanto, não têm
uma subordinação direta a um único empregador, a um único hospital
24 Informações extraídas do acervo disponibilizado pelo STF no seguinte link: https://
transparencia.stf.jus.br/extensions/reclamacoes/reclamacoes.html
25 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Rcl. 47.843/BA, 1.ª Turma, Relatora Ministra Carmen
Lúcia (Redator: Ministro Alexandre de Moraes), DEJT 06/04/2022.
149
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
ou a uma única empresa de saúde. Constituem empresas para ter um
regime tributário melhor – uma decisão tomada por pessoas informadas
e esclarecidas, e não hipossuficientes».
Seguindo esse entendimento, em decisão monocrática proferida
nos autos da Rcl 56.132/MA,
26
o Ministro Luís Roberto Barroso,
relator da ação em que se discute o vínculo empregatício com correto-
ra de imóveis, entendeu mais uma vez pela licitude de contratos de PJ
para a prestação de serviços, desde que tal contrato seja «real» e não
sirva para mascarar a relação de emprego ou fraudar leis trabalhistas.
Da mesma forma, na Rcl 56.285/SP,
27
em que se discutia a
licitude da atuação de advogado como PJ, o Ministro Luís Roberto
Barroso mais uma vez posicionou-se no sentido de considerar válida
a referida forma de contratação, pontuando que «O contrato de
emprego não é a única forma de se estabelecerem relações de trabalho,
pois um mesmo mercado pode comportar alguns profissionais que
sejam contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho
e outros profissionais cuja atuação tenha um caráter de eventualidade
ou maior autonomia».
O Ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, em decisão
monocrática proferida em maio de 2023 nos autos da 59.795/MG,
28
estabeleceu que a relação entabulada entre o motorista sob o uso de
aplicativo de plataforma digital e a empresa Cabify seria semelhante
à do transportador autônomo regulado pela Lei 11.442/2007, por
ser o indivíduo proprietário de veículo próprio, possuindo, portanto,
natureza jurídica de relação comercial. Por este motivo, determinou
a remessa dos autos para a Justiça Comum, já que não se vislumbra
26 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Rcl. 56.132/MA, 1.ª Turma, Relator Ministro Luís Roberto
Barroso, DEJT 09/08/2023.
27 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Rcl. 56.285/SP, 1.ª Turma, Relator Ministro Luís Roberto
Barroso, DEJT 29/03/2023.
28 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Rcl. 59.795/MG, Decisão Monocrática, Relator Ministro
Alexandre de Moraes, DEJT 23/05/2023.
150
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José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
relação de trabalho, cuja competência seria da Justiça do Trabalho.
Em seu voto, o Ministro Alexandre de Moraes também pontuou o
indicado pelo Luís Roberto Barroso, no sentido de que os precedentes
do STF têm sido inequívocos na declaração da validade das formas
alternativas de contratação e relação de trabalho, que não àquela regida
pela CLT.
Nessa mesma linha, a 2.ª Turma do STF manteve a decisão
monocrática de procedência da Rcl 59.047/SP, proferida pelo Ministro
Relator Nunes Marques. No acórdão, foi pontuado que:
No caso, a despeito da existência de contrato civil de prestação de
serviços, acabou reconhecida relação de emprego, em desconfor-
midade com o entendimento desta Corte, que admite a validade
constitucional de terceirizações ou outras formas de divisão do
trabalho.
A terceirização não enseja, por si só, precarização do
trabalho, violação da dignidade do trabalhador ou desrespeito a
direitos previdenciários. Esse é cerne do decidido na ADPF 324.
Na hipótese, não foi indicado qualquer exercício abusivo
da contratação com a intenção de fraudar ou burlar a configu-
ração de vínculo empregatício.
Cumpre observar a primazia da liberdade negocial, tendo
em conta especialmente as peculiaridades da situação concreta,
em que inexiste vulnerabilidade técnica da parte beneficiária.
29
Esse mesmo entendimento tem sido seguido pelo STF em
diversas outras decisões, a exemplo da Rcl 61.267/MG, 62.357/MG,
64.273/SP, 60.347/MG e 63.823/SP.
29 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Rcl. 59.047/SP, 2.ª Turma, Relator Ministro Luís Roberto
Barroso, DEJT 09/01/2024.
151
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
4.3. O que se pode extrair das decisões do STF
Pela análise das decisões mencionadas acima, pode-se verificar que,
desde 2018, o STF vem consolidando seu entendimento no sentido
do reconhecimento da validade das formas alternativas de contratação
de prestação de serviços, nem sempre consubstanciadas no vínculo
empregatício estabelecido pelo art. 3 da CLT.
Ainda que com alguma divergência entre os ministros do STF,
ao menos por maioria, reconhecem-se válidas sob a ótica constitucional
outras modalidades de prestação de serviços, diferentes da relação de
emprego concebida pela CLT.
Ao que parece, essa linha de entendimento vem sendo liderada
no Supremo pelo Ministro Luís Roberto Barroso, acompanhado por
Alexandre de Moraes e Nunes Marques, privilegiando a autonomia do
prestador de serviços e a livre iniciativa, em detrimento do reconhecido
protecionismo exacerbado aplicado às relações empregatícias.
É importante fazer a seguinte ressalva: o fato de o Supremo ter
reconhecido a licitude do fenômeno da «pejotização» e essas outras
formas de contratação não significa que se deixou de lado os princípios
da proteção ao trabalhador e da dignidade humana. Na realidade, o
que se vem entendendo é apenas a validade de tais modalidades de
contratação, quando respeitadas as formalidades legais, a exemplo
do previsto no art. 442-B da CLT. O STF estabeleceu, grosso modo,
uma equivalência valorativa entre o vínculo de emprego e o vínculo
civil, impedindo que a aplicação da CLT presumisse fraudulenta as
outras formas.
Por outro lado, os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber
–esta última aposentada em dezembro de 2023– tendem a apresentar
um posicionamento contrário, buscando privilegiar o princípio da
proteção ao empregado em detrimento de qualquer outra relação
jurídica, quando se diz respeito a uma relação de trabalho lato sensu.
152
Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
Dessa forma, costumam apresentar votos divergentes –comumente
sendo vencidos– e discordar da tese de que o fenômeno da pejotização
seria lícita.
Em todo caso, é preciso registrar notar que o Supremo é
unânime quanto à aplicação do princípio da primazia da realidade,
que privilegia os fatos em detrimento da prova documental existente
nos autos. Dessa forma, independente da relação entabulada entre
as partes, caso se comprove, no caso concreto, a existência de onerosi-
dade, habitualidade, pessoalidade e, especialmente, subordinação,
independente do regime eleito pelas partes para o contrato, constata-se
a existência de uma relação de emprego. Nesses casos, não há
divergência quanto ao fato de que, em se tratando de relação de
emprego, atrai-se a competência para a Justiça do Trabalho, prevista
no art. 114, I, da Constituição.
Caso, contudo, se esteja diante de uma relação comercial –como
é o caso dos representantes comerciais, dos transportadores autônomos
e dos motoristas de aplicativo considerados como parceiros–, por não
haver uma relação de trabalho propriamente dita, o Supremo possui
duas vertentes: a primeira, que vem sendo adotada recentemente pelos
Ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, por exemplo,
entende que a Justiça Comum é competente se estiver diante de uma
clara relação comercial, especialmente se não há discussão acerca
do vínculo no caso concreto; por outro lado, com base no Conflito
de Competência 7.950, caso a causa de pedir e pedido envolvam o
uma relação jurídica regida pela CLT, seria da Justiça do Trabalho a
competência para julgar a ação.
5. JURISPRUDÊNCIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO
Embora o STF tenha colocado os contratos de direito civil e de
direito do trabalho em patamares iguais, ainda há um desequilíbrio
na Justiça do Trabalho, tendo em vista o nítido viés protecionista da
153
Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
Justiça do Trabalho. Esse espírito é encontrado na palestra proferida
pelo conceituado Ministro do TST Antonio José de Barros Levenhagen
em 2016 nas solenidades de comemoração dos 30 anos do Tribunal
Regional do Trabalho da 15.ª Região (Campinas, SP), como divulgado
pelo Departamento de Comunicação social daquele Tribunal:
«Acusam-nos de sermos ‘Robin Hoods'. Acusam-nos de sermos
protecionistas. Sim, somos protecionistas, e não o nego. Mas o
somos porque aplicamos uma legislação que protege o trabalha-
dor, e estranho seria se ela não o fizesse», destacou o ministro.
Como comparação, Barros Levenhagen lembrou que o Código
de Defesa do Consumidor é tão protecionista quanto a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). «Entretanto, não
me lembro de ter ouvido até hoje críticas de detratores todas as
vezes que o Código é aplicado pela Justiça Comum».
30
Este capítulo tem por objetivo realizar uma análise jurispru-
dencial do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e dos Tribunais
Regionais do Trabalho da 1.ª (Rio de Janeiro) e 2.ª (São Paulo)
regiões acerca do vínculo empregatício no caso dos profissionais
autônomos e, especialmente, o entendimento acerca da competência
para o julgamento das referidas ações. A escolha desses Tribunais se
justifica pela sua representatividade em número de processos e de
desembargadores.
A jurisprudência trabalhista vem adotando o entendimento
consolidado na ADC 48 acerca da inexistência do vínculo com os
transportadores autônomos, reconhecendo a incompetência da Justiça
do Trabalho para seu julgamento, tendo em vista a natureza comercial
da relação – exceto quando se discute o vínculo empregatício e fraude
no contrato.
30 https://trt15.jus.br/noticia/2016/nos-30-anos-do-trt-15-ministro-barros-levenhagen-
defende-funcao-social-da-justica-do
154
Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
Nas decisões abaixo, todas de 2023, o TST e os Tribunais
Regionais do Trabalho de São Paulo e do Rio de Janeiro declinam a
competência para o julgamento de ações envolvendo transportador
autônomo, reportando-se à decisão do STF nos autos da ADC 48.
É possível perceber, contudo, que o TST mantém o entendimento
de que, na hipótese de o autor da ação postular o reconhecimento
do vínculo empregatício, sob o argumento da existência de fraude na
contratação, cabe à Justiça do Trabalho processar e julgar a ação.
RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA
VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA DO TRABALHO - TRANSPORTADOR
AUTÔNOMO DE CARGA - LEI N.º 11.442/2007 - PEDIDO
DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO.
No julgamento conjunto da ADC 48/DF e da Adin 3.961/DF,
o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da
Lei 11.442/2007, firmando a tese de que, «uma vez preenchidos
os requisitos dispostos na Lei n.º 11.442/2007, estará
configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a
configuração de vínculo trabalhista» (Relator Ministro Roberto
Barroso, Tribunal Pleno, DJE 19/05/2020). Dessa forma, com
base na decisão do STF, recentemente a SBDI-1 desta Corte
Superior, no E-ARR-118200-51.2011.5.17.0011 (Relator
Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 25/11/2022),
esclareceu que há uma diferença de entendimento quanto
à questão da competência da Justiça do Trabalho nos casos
que envolvem transporte rodoviário de carga, a depender da
natureza do pedido formulado na ação, se a pretensão é de
reconhecimento de vínculo de emprego (com alegação de
fraude) ou se é de recebimento de indenização de natureza
civil. Sendo assim, fixou a tese de que as controvérsias relativas
ao transporte rodoviário de cargas, quando não se discute a
155
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
existência de vínculo de emprego, não se incluem na competência
da Justiça do Trabalho, pois a relação havida entre as partes
possui natureza eminentemente comercial. Nesse contexto, a
contrário sensu, quando a discussão envolve o reconhecimento
de vínculo de emprego, sob a alegação de fraude na contratação
de serviço autônomo de transporte rodoviário de cargas, a lide
se insere na competência material da Justiça do Trabalho. Não
obstante a tese acima exposta, o recurso de revista não atende
aos requisitos capazes de justificar o seu conhecimento, senão
vejamos. Os dispositivos indicados como violados (arts. 93,
IV, da Constituição Federal, 2.° e 3.º da CLT), não tratam da
matéria relativa à competência, desservindo, portanto, ao fim
colimado. Quanto à alegação de divergência jurisprudencial
com os arestos colacionados nas razões de recurso de revista,
no seq. 03, págs. 1.213/1.215 e 1.221/1.223, não atendem ao
disposto na alínea «a» do art. 896 da CLT e na Súmula/TST
n.º 337, itens, I, III e IV, na medida em que ou são oriundos do
próprio Tribunal Regional prolator da decisão recorrida (896,
«a», da CLT), ou não apresentam a fonte oficial ou o repositório
em que foi publicado ou, ainda, aponte o sítio válido de onde foi
extraído (Súmula/TST n.º 337, itens, I, III e IV). Prejudicada
a análise do seguinte tema: «transportador autônomo de carga
–Lei n.º 11.442/2007– pedido de reconhecimento de vínculo
de emprego». Recurso de revista não conhecido.
(RR-10441-85.2016.5.03.0029, 2.ª Turma, Relatora Ministra
Liana Chaib, DEJT 10/11/2023)
TRANSPORTADOR AUTÔNOMO DE CARGAS. LEI
N.º 11.442/2007. RELAÇÃO COMERCIAL DE NATUREZA
CIVIL. ADC 48. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE
VÍNCULO DE EMPREGO E INVALIDADE DA RELAÇÃO
156
Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
COMERCIAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.
A Justiça do Trabalho não tem competência para eventual-
mente descaracterizar as relações envolvendo a incidência da
Lei n.º 11.442/2007, pois apenas a Justiça Comum possui
competência para analisar a validade da relação comercial de
natureza civil entre a sociedade empresária transportadora com
o transportador autônomo de cargas. Precedentes do STF.
(TRT-2 - ROT: 10009731920215020422, Relator: THAIS
VERRASTRO DE ALMEIDA, 17.ª Turma, DEJT 2023-02-10)
RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. PEDIDO
DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍ-
CIO. TRANSPORTADOR AUTÔNOMO DE CARGAS.
LEI N.º 11.442/2007. ADC 48. COMPETÊNCIA MATERIAL
DA JUSTIÇA COMUM. MANTIDA. A decisão proferida
pelo STF na ADC 48 declarou a validade da Lei n.º 11.442/2007
que instituiu a categoria do transporte autônomo de cargas,
cabendo a Justiça Comum a análise do preenchimento dos
requisitos previstos naquela lei. Recurso ordinário do reclamante
conhecido e não provido.
(TRT-1 - RO: 01002941620215010020, Relator: MARISE
COSTA RODRIGUES, Data de Julgamento: 24/01/2023,
Primeira Turma, Data de Publicação: DEJT 2023-02-14)
Os Tribunais têm entendido nesse mesmo sentido nas ações que
envolvem representantes comerciais, tendo em vista o entendimento
pacificado pelo STF no RE 606.003/RS.
31
31 Neste sentido, a seguinte ementa: HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL.
CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL SEM VÍNCULO EMPREGATÍCIO.
INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Em se tratando de
contrato de representação comercial celebrado entre as partes sem vínculo empregatício, a
157
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
Por outro lado, a Justiça do Trabalho mantém o entendimento
no sentido de deter a competência jurisdicional para decidir os casos
das demais formas de contratação dos profissionais autônomos,
como advogados, médicos e PJ em geral, por se tratar de relação de
trabalho –ainda que não seja de emprego–, por força do art. 114, I, da
Constituição. Confira-se:
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE
REVISTA SUBMETIDO À LEI N.º 13.467/2017.
ADMISSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA
RECONHECIDA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO
TRABALHO. MÉDICO PLANTONISTA. AÇÃO DE
COBRANÇA. SERVIÇOS PRESTADOS NA CONDIÇÃO
DE PESSOA JURÍDICA. RELAÇÃO DE TRABALHO.
Reconhecida a transcendência da matéria, e potencializada a
indicada ofensa ao art. 114, I, da Constituição Federal, é de
se dar provimento ao agravo de instrumento para determinar
o julgamento do recurso de revista. Agravo de instrumento
conhecido e provido. II - RECURSO DE REVISTA. APELO
SUBMETIDO À LEI N.º 13.467/17. TRANSCENDÊNCIA
JURÍDICA RECONHECIDA. COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA DO TRABALHO. MÉDICO PLANTONISTA.
AÇÃO DE COBRANÇA. SERVIÇOS PRESTADOS NA
CONDIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA. RELAÇÃO DE
TRABALHO. Verificada a transcendência jurídica da matéria
objeto do recurso de revista. Com o advento da Emenda
Constitucional 45/2004, a competência da Justiça do Trabalho
demanda é de natureza cível e de competência da Justiça Comum, consoante decisão proferida
pelo STF no julgamento do RE 606.003, que fixou a seguinte tese quanto ao Tema 550
de Repercussão Geral: «Preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65, compete à
Justiça Comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre representante
e representada comerciais, uma vez que não há relação de trabalho entre as partes» (TRT-2 -
ROT: 10014749220225020080, Relator: Kyong Mi Lee, 10.ª Turma. DEJT 2023-05-11).
158
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José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
foi ampliada e passou a abranger também as ações oriundas da
relação de trabalho, nos termos do art. 114, I, da Constituição
Federal de 1988. Assim, a jurisprudência desta Corte vem se
firmando no sentido de que, a expressão relação de trabalho
compreende entre outras, a contratação de serviços especializados
de pessoas autônomas, mesmo quando o profissional seja
contratado na condição de pessoa jurídica. No caso dos autos,
não há pedido de reconhecimento de vínculo empregatício,
nem de relação de consumo, mas tão somente a cobrança de
honorários médicos relativos a plantões realizados no hospital
reclamado, fruto da relação de trabalho contratada entre o
médico (pessoa jurídica) e o hospital tomador de seus serviços.
Portanto, a matéria é de competência desta Justiça Especializada,
nos termos do art. 114, I, da Constituição Federal. Recurso de
revista conhecido e provido.
(RR-11050-56.2020.5.15.0009, 6.ª Turma, Relator Desembar-
gador Convocado Jose Pedro de Camargo Rodrigues de Souza,
DEJT 19/05/2023)
RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PU-
BLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS N.º 13.015/2014
E 13.467/2017. 1. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO
TRABALHO. PROFISSIONAL AUTÔNOMO. TRANSCEN -
DÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. CONHECIMENTO
E PROVIMENTO. I. O Tribunal Regional entendeu que «o
caso envolve profissional autônomo, sem qualquer discussão
sobre eventual vínculo empregatício entre as partes. Nesse
cenário, não se pode acolher a competência material da Justiça
do Trabalho para conhecer e julgar a presente demanda». II. A
partir da EC n.º 45/2004, que conferiu nova redação ao art.
114 da Constituição Federal, a competência material da Justiça
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
do Trabalho foi ampliada, de forma a abranger as demandas
decorrentes da relação de trabalho, dentre as quais, as que
envolvem trabalhadores autônomos. III. Recurso de revista de
que se conhece e a que se dá provimento.
(RR-518-29.2018.5.21.0008, 4.ª Turma, Relator Ministro
Alexandre Luiz Ramos, DEJT 26/11/2021)
RECURSO ORDINÁRIO. RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE
PROFISSIONAL-PARCEIRO E SALÃO-PARCEIRO. LEI
12.592/2012 COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 13.352/2016.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. O
contrato de parceria entre profissional-parceiro e salão-parceiro
corresponde e instrumentaliza uma relação jurídica de trabalho.
A competência para processar e julgar as ações decorrentes das
relações de trabalho e do descumprimento da lei 12.592/2012
são da Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, I da CR/88.
A lei 12.592/2012, pelo texto incluído pela lei 13.352/2016,
expressamente imputa ao sindicato profissional a atribuição de
homologar o contrato de parceria, denotando o trabalho como
elemento preponderante da relação jurídica entre os contratantes
e ao sistema institucional integrado de proteção ao trabalho,
formado pela Inspeção do Trabalho, Ministério Público do
Trabalho e Justiça do Trabalho, o poder-dever de fiscalizar,
fazer cumprir as obrigações previstas em seu texto e julgar as
ações decorrentes do descumprimento da lei, respectivamente.
Recurso provido para declarar a competência da Justiça do
Trabalho para processar e julgar as ações decorrentes da relação
jurídica entre profissional-parceiro e salão-parceiro.
(TRT-1 - RO: 01000301720195010069 RJ, Relator: CARINA
RODRIGUES BICALHO, Sétima Turma, DEJT 2021-10-11)
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José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
CONTRATO ASSOCIATIVO. AÇÃO AJUIZADA POR
ADVOGADA ASSOCIADA. RELAÇÃO DE TRABALHO.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Não
obstante a notória ausência de vínculo de emprego, sobretudo
em razão da falta de subordinação, não há como negar que
referido contrato envolve uma relação de trabalho, uma vez que
diz respeito a trabalho prestado por pessoa física a determinado
tomador de serviços mediante contrapartida. Assemelha-se
à prestação de serviços do autônomo, porquanto presentes
os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, exceto a
subordinação, além da assunção de parte dos riscos, ainda que
de forma restrita. Desta forma, ainda que não se alegue fraude
contratual para reconhecimento do vínculo empregatício, tem-
se que a análise dos pedidos oriundos do contrato de associação
formulados em juízo pelo advogado associado, trabalhador que
vende sua força de trabalho, é de competência da Justiça do
Trabalho, nos termos do artigo 114, I, da Constituição Federal.
(TRT-2 10014013720215020022, Relator: ALVARO ALVES
NOGA, 17.ª Turma, DEJT 2022-11-22)
Da mesma forma, a Justiça do Trabalho vem adotando o
entendimento da sua competência jurisdicional sobre os motoristas
de aplicativo. O TST tem estabelecido a priori que, por se tratar de
uma relação de trabalho, a Justiça do Trabalho é competente.
RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA
VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO
DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE
DANOS MATERIAIS AJUIZADA POR MOTORISTA
DE APLICATIVO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA
RECONHECIDA. Constata-se, no caso, que a pretensão do
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
autor, consistente na reativação de sua conta no aplicativo
99POP, bem como a condenação da empresa ao pagamento
de lucros cessantes pelo suposto descredenciamento indevido,
está relacionada à relação de parceria laboral travada com o
aplicativo de ativação por demanda de usuários, pelo que
emerge a competência jurisdicional da Justiça do Trabalho
para dirimir a controvérsia em torno dos danos decorrentes
da cessação do contrato de parceria firmado com a empresa
prestadora dos serviços de transporte de particulares. É impor-
tante compreender essa relação de intermediação da mão
de obra autônoma do prestador de serviços no contexto das
novas relações de trabalho, que emergem como consequência
do desenvolvimento tecnológico eruptivo da revolução 4.0.
As relações de trabalho operadas pelos novos meios tecnoló-
gicos, à parte de não configurarem em essência a relação
jurídica de emprego prevista na CLT, não se afastam da
premissa laboral do retorno financeiro guiado pela parceria de
trabalho entre agente de mercado e agente de labor, o que no
caso das relações entre o aplicativo e o motorista credenciado se
desenvolvem por um princípio geral de distribuição equitativa
de lucros, incompatível com a relação tradicional de emprego,
mas plenamente classificável como relação autônoma de
parceria laboral, intermediada por meios digitais próprios das
novas formas de oferecimento da mão de obra dinâmica dos
trabalhadores não enquadrados no modelo nine-to-five (das
nove às cinco), cujo crepúsculo coincide com a emergência
das novas demandas de mercado que a citada revolução 4.0
fomenta no seio da relação entre capital, labor e consumo.
O alvorecer de uma sociedade 5.0, focada no ser humano e na
inventividade atrelada aos novos meios de trabalho, aponta
para um progresso dignitário cuja inspiração se encontra
atrelada à agenda de sustentabilidade socioambiental e aos
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modelos ESG (Enviromental, Social and Governence) de
gestão, os quais tangenciam as boas práticas de mercado e, por
conseguinte, refletem-se em novas práticas laborais. Focadas
em parcerias produtivas de trabalho, tendentes à valorização
das habilidades singulares dos parceiros laborais (e à maximização
dos ganhos por critérios individuais de engajamento e retorno),
essas novas práticas laborais não deixam de ser ancoradas na
função social que rege a capitalização das oportunidades
pelo critério de livre iniciativa, já que no mesmo preceito
constitucional em que se erige tal pilar como princípio fundante
da República coabita a valorização social do trabalho (art. 1, IV,
da Constituição), sendo certo que ambos os aspectos valorativos
da norma estão intimamente imbricados à noção sistêmica de
relação laboral. Desse modo, o enquadramento jurídico das
novas relações de trabalho na seara da Justiça do Trabalho atende,
a um só tempo, à premissa histórico-efeitual da autoridade dos
direitos sociais, cuja defesa é sediada na Justiça do Trabalho,
assim como ao argumento de vanguarda política que impulsiona
uma ressignificação necessária dos esforços de trabalhadores em
regimes de parceria disruptiva mais livres e descentralizadas de
poderes diretivos mais imediatos da força de trabalho. Assim
é que se conclui que, em que pese tais relações de trabalho
inovadoras já não pertençam ao modelo de produção típico do
século XX, forjado pelo emprego formal celetista, nem por isso
estão fora do contexto de regulação estatal dos direitos sociais,
de modo que a sindicabilidade de direitos constitucionais, entre
eles o de livre disposição da força de trabalho pelo parceiro
laboral, está imediatamente ligado à história institucional da
narrativa dos direitos laborais, embora sob uma perspectiva
dialeticamente aberta e nova, que rejeita a simples redução do
trabalho ao modelo empírico do emprego. É bem verdade que
o engajamento em plataformas de ativação por demanda de
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
usuários está longe de reproduzir todas as dimensões inovadoras
do chamado «trabalho 5.0», até porque a função de motorista
encontra-se dentro dos critérios de obsolescência programada
das atividades monológicas de trabalho. Mas, até por isso, deve
ser reforçada a competência jurisdicional desse ramo laboral
da Justiça para o exame de tais relações descentralizadas, mas
igualmente focadas na matéria-prima labor como condicionante
central do objeto contratual firmado entre as partes. Ora, se
até mesmo em relações mais sofisticadas de parceria laboral é
essencial reconhecer a competência desta Justiça especializada
para o processamento de ações entre parceiros e agentes de
mercado, com maior razão enxerga-se nessa nova forma de
aproximação entre o trabalhador e as oportunidades de trabalho
uma semente inexorável da relação de trabalho lato sensu,
cuja competência para o exame decorre do critério fixado pelo
inciso IX do art. 114 da Constituição Federal, o qual dispõe
ser competência desta Justiça especializada o exame de causas
que versem sobre «outras controvérsias decorrentes da relação
de trabalho, na forma da lei». Sendo a relação de intermediação
entre o agente de labor e a plataforma de serviço um autêntico
contrato de parceria laboral, cuja origem do interesse comum é
exatamente o agenciamento do trabalho de transporte pessoal
fornecido a terceiros, não há como excluir da competência
da Justiça do Trabalho o exame de controvérsia que envolva a
hipótese de ruptura do contrato de parceira laboral, bem como
os danos emergentes da cessação unilateral desse instrumento
individual de contrato firmado com a empresa. Em termos
simples, conclui-se que a relação contratual entre essa empresa
e seus clientes é consumerista, ao passo que a sua relação com
seus prestadores de serviço é uma relação de trabalho lato sensu,
o que atrai a competência da Justiça do Trabalho para quaisquer
controvérsias que se travem em torno da relação de parceria
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José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
do trabalho firmada entre os trabalhadores credenciados e
a plataforma de serviços. Fixada a competência deste ramo
trabalhista o exame da presente causa judicial, merece reforma
a decisão do Regional, a fim de que os autos sejam remetidos à
Vara do Trabalho para regular processamento e julgamento do
feito, como se entender de direito. Recurso de revista conhecido
e provido. (RR-443-06.2021.5.21.0001, 5.ª Turma, Relator
Ministro Breno Medeiros, DEJT 16/12/2022)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI 13.467/2017.
PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. MOTORISTA DE
APLICATIVO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ACESSO
IRRES TRITO À PLATAFORMA. RELAÇÃO DE TRABA-
LHO AUTÔNOMO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
DO TRABALHO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA
RECONHECIDA. A controvérsia diz respeito à competência
da Justiça do Trabalho para julgar demanda relacionada ao
funcionamento do aplicativo Uber que, por meio do seu
sistema de inteligência artificial, impõe certas restrições
territoriais aos motoristas parceiros. Há transcendência
jurídica da causa, nos termos do art. 896-A, § 1.º, IV, da
CLT, por se tratar de questão nova acerca da competência
da Justiça Especializada para decidir sobre obrigação de fazer
concernente a limitações no sistema de direcionamento de
viagens do aplicativo Uber. Diante da potencial ofensa ao
art. 114, I, da Constituição Federal, o agravo de instrumento
merece provimento para processar o recurso de revista.
Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA.
LEI 13.467/2017. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO.
MOTORISTA DE APLICATIVO. OBRIGAÇÃO DE
FAZER. ACESSO IRRESTRITO À PLATAFORMA. RELA-
ÇÃO DE TRABALHO AUTÔNOMO. COMPETÊNCIA
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
DA JUSTIÇA DO TRABALHO. TRANSCENDÊNCIA
JURÍDICA RECONHECIDA. A Emenda Constitucional
n.º 45 de 2004 ampliou a competência da Justiça do Trabalho
para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho,
rompendo a antiga ideia de que apenas as lides envolvendo
relação de emprego, nos estritos moldes dos artigos 2.º e 3.º da
CLT, seriam dirimidas por esta Justiça Especializada. No caso, o
demandante, que trabalha como motorista para a Uber, afirma
que a empresa tem restringido o livre exercício de seu ofício,
bem como seu direito de escolher o local em que prefere praticar
sua atividade laborativa, diminuindo, com isso, sua receita. Em
que pese o reclamante não ter pleiteado o reconhecimento do
vínculo empregatício, mas, somente, que a parte reclamada
seja compelida a suspender os bloqueios territoriais impostos
pelo aplicativo, em especial quanto ao acesso ao Aeroporto
Internacional de Confins-MG, verifica-se tratar de demanda
que decorre de relação de trabalho, ainda que autônomo.
A obrigação de fazer pretendida, concernente ao acesso
irrestrito ao aplicativo, cuja última finalidade é o incremento
da remuneração, está diretamente relacionada às condições de
trabalho oferecidas pela Uber aos motoristas parceiros da marca,
por meio de seu aplicativo, sobressaindo, assim, a competência
desta Justiça para apreciá-la, à luz do inciso I do art. 114 da
CF/88. Transcendência jurídica reconhecida. Recurso de
revista conhecido e provido. (RR-10141-93.2021.5.03.0144,
8.ª Turma, Relator Ministro Aloysio Correa da Veiga, DEJT
26/08/2022)
Há que se ressaltar, contudo, que em razão das recentes decisões
do STF, o posicionamento dos Tribunais e, especialmente do TST,
certamente sofrerá –se já não está sofrendo– alteração nos próximos
meses e anos, especialmente no que diz respeito aos motoristas de
aplicativos, a fim de se adequar ao entendimento atual do STF.
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José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
6. CONCLUSÃO
O presente trabalho teve como objetivo analisar a evolução da divisão
de competência jurisdicional entre a Justiça do Trabalho e a Justiça
Comum a partir de um panorama histórico da competência da Justiça
do Trabalho, que provê contexto para a escalada desse tema até o
Supremo Tribunal Federal para controle constitucional sob o comando
do art. 114 da Constituição.
Em seguida, analisamos os conceitos das relações jurídicas
comerciais, de trabalho e de emprego, indicando a relevância da
definição da natureza das relações jurídicas firmadas com os prestadores
de serviços para se identificar o juízo competente para julgamento de
ações delas decorrentes.
Foi possível notar que a análise dessa natureza jurídica, embora
matéria de mérito, precisa ser realizada a priori, para que se possa,
então, determinar o juízo competente para julgamento da ação.
Passamos, então, à análise do papel do STF na interpretação
das normas trabalhistas e como o seu reconhecido ativismo judicial
tem impactado o Direito do Trabalho nos últimos anos, especialmente
após a Reforma Trabalhista. Para enriquecer a análise dessa questão, é
muito recomendável a leitura da palestra proferida pelo Ministro Ives
Gandra Martins Filho, do TST, que, em 2018, advertiu para «uma das
tentações que mais atacam a magistratura neste início de século XXI,
é a do ativismo judiciário, de se criar direito novo a partir da aplicação
de princípios jurídicos insuficientemente positivados no ordenamento
jurídico».
32
Em 2017 o mesmo Ministro Ives Gandra, debatendo a
proposta legislativa que viria ser aprovada como Reforma Trabalhista
(Lei 13.467), afirmou que ela seria «uma reação [do Legislativo] ao
32 Palestra proferida no Seminário de Verão 2018 – Cidadania num Mundo em Transformação,
realizada na cidade de Coimbra (Portugal). Revista Jurídica Luso-Brasileira, ano 4 (2018),
n.º 5, 917-925. Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (CIDP). Disponível em:
https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2018/5/2018_05_0917_0925.pdf
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
ativismo da Justiça do Trabalho». O Ministro ilustrou essa afirmação
lembrando que, «entre 2011 e 2012, o TST legislou ao alterar 34
precedentes para criar e estender direitos aos trabalhadores, sem que
houvesse mudança na lei».
33
Nesse balanço pendular próprio de grandes questões sociais,
verificamos que, nos últimos cinco anos, o STF vem proferindo
decisões inéditas e relevantes no contexto trabalhista brasileiro,
inclusive a respeito da competência da Justiça do Trabalho e da
constitucionalidade a priori de regimes de trabalho alternativos
ao emprego. Resulta disso a construção de um entendimento mais
flexível sobre a autonomia de vontade e a livre iniciativa, mesmo aos
hipossuficientes, detrimento do protecionismo exacerbado extraído
da CLT pela jurisprudência trabalhista.
Assim, em diversas decisões recentes, verificou-se um posicio-
namento no STF no sentido da validade do fenômeno da «pejotização»
e da existência de relações jurídicas de prestação de serviços que
possuem natureza eminentemente comercial, não de trabalho, como
a hipótese dos transportadores autônomos, motoristas de aplicativo
parceiros e representantes comerciais.
Constatamos, ainda, que o Supremo tem se posicionado a favor
do direcionamento da competência para a Justiça Comum, em vez da
Justiça do Trabalho, quando a relação comercial entre os contratantes
é comercial.
Apesar do posicionamento recente do STF, a jurisprudência
da Justiça do Trabalho mantém uma predisposição à rejeição de
formas alternativas ao vínculo de emprego e mantém firme a sua
jurisdição sob o argumento de primazia do regime de emprego sobre
as suas alternativas, o que vem gerando um crescente número de
33 Revista Consultor Jurídico (2017). Cabo De Guerra Reforma trabalhista é reação a ativismo do
TST, diz Ives Gandra, presidente da corte. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-
jun-14/reforma-trabalhista-reacao-ativismo-tst-ives-gandra
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Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
Reclamações Constitucionais. O que se vê hoje é um conflito entre
a jurisprudência com relação à aplicação em concreto das teses
firmadas pelo STF sobre a constitucionalidade do regime de contrato
sem vínculo com advogados, médicos, motoristas de aplicativo,
profissionais de salões de beleza, representantes comerciais e
autônomos em geral (PJ). Porém, a jurisprudência trabalhista ainda
tende a considerar as formas alternativas de trabalho como fraude ao
regime de emprego da CLT.
Ao menos já temos consenso sobre a competência da Justiça
Comum em duas hipóteses. Uma, nos contratos com transportadores
autônomos que, presumem-se válidos, cabendo à Justiça Comum
declarar o contrário, se for o caso. A segunda, se a ação não discutir
a validade da relação jurídica comercial entabulada, mas tão somente
seus efeitos secundários, por exemplo, dever de indenizar sob as regras
da responsabilidade civil ou o cumprimento de obrigações de pagar,
dar ou fazer, conforme decidido no Conflito de Competência 164.544/
MG do STJ.
É forçoso concluir que, hoje, a controvérsia ainda não tem uma
solução pacificada, causando um alongamento do contencioso sobre
a questão processual em detrimento da rápida solução dos litígios.
De todo modo, já se pode dizer que o STF, exercendo seu controle
de constitucionalidade no julgamento das diversas Reclamações
Constitucionais que discutem o vínculo de emprego, tem consolidado
o entendimento de que a Justiça do Trabalho deve afastar a histórica
e irrazoável presunção de fraude ou julgamento a priori das formas
alternativas de prestação de serviços, que não aquelas reguladas pela
CLT –a exemplo dos advogados, PJ, médicos, engenheiros, motoristas
de aplicativo, entre outros.
Os desdobramentos desse entendimento, contudo, ainda a
serão objeto de análise perante os Tribunais Trabalhistas, que precisarão
repensar a dinâmica do ônus da prova nas ações que envolvem o vínculo
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Revista de Derecho Procesal del Trabajo, 7(9), 2024, 117-180
Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
empregatício, já que, sob a ótica do STF, não se pode mais presumir
como inválidos os contratos que não são de emprego, salvo prova em
contrário.
Por um ângulo talvez um pouco sombrio, pode-se dizer que o
Judiciário ainda flerta com o risco advertido por Ruy Barbosa há mais
de 100 anos de que «Justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça
qualificada e manifesta».
34
7. POSFÁCIO
À medida em que escrevíamos este artigo, o tema ganhou proporções
maiores. Primeiro, com a via da Reclamação constitucional aberta,
o STF passou a receber um número inédito desses procedimentos, a
ponto de se vislumbrar que o STF talvez se torne uma nova instância
ordinária para qualquer processo individual no qual a Justiça do
Trabalho aplicasse o vínculo trabalhista a um contrato de direito civil,
o que é, evidentemente, inadequado. O STF não deveria ocupar-se
do julgamento de múltiplos casos individualmente. Assim, notamos
que, aos poucos, alguns juízes do trabalho passaram a rejeitar a
sua competência para julgar ações envolvendo a desconsideração
de contratos de direito civil, por exemplo, o Processo 1000504-
78.2023.5.02.0332, julgado em primeira instância em 11/01/2024
pela Juíza Thereza Christina Nahas, Juíza do Trabalho Titular da 2.ª
Vara do Trabalho de Itapecerica da Serra, ademais, professora com
robusta formação acadêmica ampla atividade jurídica:
35
(...) a competência para analisar a lisura do negócio jurídico
(contrato autônomo ou de qualquer outra natureza), não será
da Justiça do Trabalho. Desta forma, o STF rompe com toda a
construção jurisprudencial que ao longo dos anos prevaleceu,
34 Oração aos Moços, 1921.
35 https://www.escavador.com/sobre/6442346/thereza-christina-nahas
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José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
ditando um entendimento diverso justamente para atender as
mudanças sociais e econômicas que se verificam.
Em outras palavras, quando o STF afirma que além da
contratação de trabalho subordinado típico há outras formas
contratuais que, por negação, não são tipicamente regidas
pelas CLT, isto é, pelo contrato de trabalho regulado pela
norma trabalhista especifica que dispõe nos art. 2 e 3 sobre
a caracterização das partes contratuais, o que quis definir foi
que a análise do vício de consentimento ou social daqueles
contratos atípicos, deve ser feita pelo Juízo que tem competência
para conhecer do respectivo negócio jurídico (juízo civil
ou empresarial, por exemplo). Tal análise está vinculada ao
direito material pré-existente, e, essa competência, segundo o
precedente, não é da Justiça do Trabalho, sendo matéria alheia
aquela definida no art. 114 da CF. Tal entendimento decorre da
análise da causa de pedir próxima e remota, que é o elemento
definidor do direito de fundo. Somente após a análise da
relação litigiosa pelo Juízo absolutamente competente, é que se
fixará de forma e incontroversa a natureza do tipo contratual
que se quer discutir, de modo que apenas num segundo plano
se estabelece a competência da Justiça Especializada (...).
Diante disso, e ressalvado meu entendimento anterior-
mente já ditado em outros casos, penso que não cabe ao
julgador, especialmente, nesta instância, criar falsas expectativas
ao jurisdicionado ou mesmo afrontar a aderência estrita do
julgamento originário retratado na ADPF 324 e do Tema 725.
Corolariamente, sendo incontroversa a existência de contrato
escrito entre as partes, de natureza autônoma e sem excluir
as possíveis situações de vícios de consentimento ou social,
incumbe ao Juiz Civil a análise da relação no negócio de natureza
civil. Outra não pode ser a conclusão que não a de reconhecer
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
que a questão insere-se no Tema n.º 725 e, sendo o contrato
entre as partes de natureza autônoma, e com fundamento
nos precedentes do C STF quanto a matéria, reconheço a
incompetência absoluta deste Juízo para conhecer e julgar a
presente ação.
Nos casos de conflito negativo de competência, isto é, se o
juiz do trabalho e o juiz cível recusarem sua própria competência
jurisdicional para julgar, o processo é remetido ao Superior Tribunal
de Justiça («STJ») para que decida qual dos dois tem jurisdição
sobre a matéria. Nesse contexto, outra recentíssima decisão do STJ,
esta publicada no dia 16/02/2024, proferida nos autos do Conflito
de Competência 202726/SP,
36
a Ministra Nancy Andrighi decidiu
que «Compete à Justiça comum estadual processar e julgar ação
indenizatória objetivando o reconhecimento de relação de trabalho,
na hipótese em que existe prévio contrato de prestação de serviços
firmado entre as partes e em relação ao qual se alega fraude na
contratação».
37
Assi, a Corte firmou o entendimento de que cabe à
Justiça Comum processar e julgar ações de autônomos, ainda que se
discuta a existência de vínculo empregatício em sua causa de pedir.
Em seu voto, a Ministra Relatora Nancy Andrighi ressaltou que
«Apenas após reconhecido eventual vício de consentimento ou social,
com a consequente anulação do negócio jurídico preexistente, é que
haverá a possibilidade de se pleitear, perante a Justiça do Trabalho, o
reconhecimento do alegado vínculo empregatício».
Ainda é cedo para se afirmar que se está diante de uma nova
ordem, ou mesmo de uma tendência. Afinal, a maioria dos juízes
trabalhistas segue julgando casos de contratos civis cuja validade o
trabalhador contesta.
36 Brasil. Superior Tribunal de Justiça. CC 202726/SP (2024/0026816-6), Relatora Ministra
Nancy Andrighi, Data de Publicação: 16/02/2024.
37 Conflito de Competência n.º 202726 - SP (2024/0026816-6).
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José Carlos Wahle, rodrigo de Figueiredo arauJo
Em contraponto aos julgamentos das reclamações constitu-
cionais pelo STF, a Ordem dos Advogados do Brasil, em colaboração
com representantes da Justiça do Trabalho publicou no final de 2023
a «Carta em defesa da Competência Constitucional da Justiça do
Trabalho», expressando «apreensão em face das restrições à competência
constitucional da Justiça do Trabalho e enorme insegurança jurídica
provocada pelas recentes decisões do Supremo Tribunal Federal».
A carta foi seguida de um ato público em 28/2/2024 com cobertura
da imprensa que deu a seguinte informação:
38
O presidente da Comissão de Advocacia Trabalhista da OAB/
SP, Gustavo Granadeiro, explicou que a competência da
Justiça do Trabalho, prevista no art. 114 da CF/88, tem sido
desrespeitada. «A Suprema Corte, a pretexto de manter sua
autoridade preservada, vem cassando decisões trabalhistas que
declaram vínculo de emprego, mesmo quando as provas do
caso específico demonstram que a realidade dos fatos está em
desacordo com o contrato firmado, sendo este nulo, portanto,
nos termos da lei trabalhista», destaca.
Granadeiro destacou, ainda, o risco da supressão de
direitos trabalhistas e diminuição de arrecadação fiscal e
previdenciária no Brasil decorrente da queda no número de
registros em carteira de trabalho estimulada por essas decisões.
«Negar vínculo de emprego com base em generalidades,
preconceitos e suposta violação de precedente, que não existe,
como o STF vem fazendo, sem acurada análise de fatos e
provas do caso concreto, é negar aos trabalhadores dignidade,
cidadania e direitos conquistados ao custo de sangue, suor e
lágrimas ao longo de décadas», afirmou.
38 https://www.migalhas.com.br/quentes/401987/entidades-participam-de-ato-em-defesa-da-
justica-do-trabalho
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Competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes das
formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
Logo depois, sobreveio um evento que poderá ser um ponto
de inflexão nesse conflito jurisdicional: uma das ações civil pública
ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra as empresas de
aplicativos de transporte de passageiros chegou ao STF (...). Como é
próprio desse tipo de ação afetar toda uma classe de jurisdicionados
(no caso, motoristas que usam plataformas digitais), o STF logo
decretou a repercussão geral do caso e, enquanto este posfácio era
escrito, es a ponto de decidir se determina a suspensão de todos os
processos cujo julgamento seria afetado pela tese. O que se pode esperar
do STF? Estaremos diante de uma resolução definitiva ao conflito
pulverizado em milhares de reclamações trabalhistas individuais? A
tese fixada pelo STF determinará a forma como a Justiça do Trabalho
lidacom outros contratos civis com trabalhadores independentes?
Haverá maior permissividade à contratação de trabalhadores sob a
estrutura de PJ? A Ministra Cármen Lucia participou de um evento
acadêmico na Faculdade de Direito de São Paulo, USP, em 7/3/24,
quando então proferiu uma declaração que parece sugerir o desfecho.
Normalmente reservada e avessa a polêmicas públicas, a Ministra
declarou que «Ninguém tem que, portanto, gostar ou não gostar de
terceirização, de responsabilização de quem contrata e depois não
quer pagar, de transferências indevidas de responsabilidades pelo não
cumprimento de uma legislação. Isso não é papel de juiz, isso é papel
do legislador alterar as normas». É interessante observar que o Ministro
do Superior Tribunal do Trabalho («TST»), na mesma ocasião, expôs
a sua visão sobre essa contenção que o STF vem aplicando ao TST.
Segundo a reportagem da revista Jota:
39
Ao longo de sua apresentação, Alencar afirmou que a
Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) «não é uma Bíblia
universal» que deve «presidir todos os negócios jurídicos que
envolvam a organização pessoal dos serviços».
39 https://www.jota.info/tributos-e-empresas/trabalho/e-o-supremo-quem-diz-o-direito-
constitucional-do-trabalho-afirma-carmen-lucia-08032024
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Para o ministro, essa mentalidade é o que tem levado o
STF a cassar tantas decisões da Justiça do Trabalho e que, no
fim, «pode levar a um esvaziamento absoluto» das competên-
cias da instituição. «O Supremo tem motivações para nos
decotar a competência. Essas motivações são originadas pela
percepção de inadequação de como arbitramos esses conflitos»,
disse Alencar.
Outra declaração pública recente também parece sinalizar o
rumo do STF nesse tema. O Ministro Luís Roberto Barroso, do STF,
que também ocupa a Presidência do Conselho Nacional de Justiça
(«CNJ»), órgão administrativo do Poder Judiciário, declarou em
uma entrevista que o CNJ abrirá um procedimento para investigar
as causas do que ele considera uma excessiva litigiosidade trabalhista
no Brasil e recomendar como mitigá-las. O Ministro declarou que a
litigiosidade trabalhista brasileira é «desproporcionalmente maior do
que no resto do mundo» e que «Só sabemos o custo de uma relação
de trabalho no Brasil depois que ela termina. (...) Tudo o que encarece
e diminui a atratividade do Brasil e que passa pelo Judiciário nós
devemos ser capazes de equacionar».
40
Ora, a alta litigiosidade não é
nova, chega a ser proverbial, então não é fortuito que, justo agora,
o CNJ tenha decidido estudá-la. Portanto, há que se compreender
que essas entrevistas têm um significado coletivo, que o colegiado do
Supremo se inclina de forma coordenada no sentido de servir como
freio e contrapeso ao que parece ser uma inclinação de uma parte da
Justiça do Trabalho a anular contratação de autônomos ou PJ com
muita facilidade, mesmo diante de provas débeis, ou mesmo diante
da ausência de provas conclusivas, aplicando-se à defesa o encargo de
provar que o autor não era empregado de facto, como se toda alternativa
ao vínculo de emprego forma fraudulento ou ilegal a priori.
40 https://www.migalhas.com.br/amp/quentes/402861/cnj-tera-grupo-de-trabalho-para-
entender-litigiosidade-trabalhista
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formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
Por fim, em 5/3/2024, o Presidente Lula da Silva apresentou ao
Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar (PLP 12/2024)
que «Dispõe sobre a relação de trabalho intermediado por empresas
operadoras de aplicativos de transporte remunerado privado indivi-
dual de passageiros em veículos automotores de quatro rodas e
estabelece mecanismos de inclusão previdenciária e outros direitos
para melhoria das condições de trabalho». Referido Projeto propõe
a criação de um novo regime jurídico de trabalho, pode-se dizer,
intermediário entre o trabalhista e o autônomo. Em resumo, haveria
uma renda mínima, uma jornada máxima, contribuições compulsórias
ao sistema de seguridade social e a criação de um inédito sindicato de
não-empregados.
Estes recentes elementos parecem-nos sinalizar duas coisas: (1)
o STF confirmará a tendência inicial de impor limites à competência
jurisdicional da Justiça do Trabalho e, assim, a desconsideração do
regime jurídico de contratos civis sem vínculo de emprego será de
competência da Justiça Comum–passando o caso para a Justiça do
Trabalho se se entender que houve fraude ou desvirtuação da forma; (2)
motoristas de aplicativos de transporte de passageiros provavelmente
serão tratados por um novo regime jurídico, o que também poderá
acontecer com entregadores em geral de encomendas e refeições.
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formas alternativas de contratação de prestadores de serviços (…)
Financiamento
Autofinanciado.
Conflito de interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
Contribuição de autoria
José Carlos Wahle: redação do artigo ou sua revisão crítica para
conteúdo intelectual importante e aprovação final da versão a ser
publicada.
Rodrigo de Figueiredo Araujo: coleta ou aquisição, análise ou
interpretação de dados para o artigo ou a concepção ou projeto
do artigo e redação do artigo ou sua revisão crítica para conteúdo
intelectual importante.
Agradecimentos
Os autores agradecem a contribuição de Paula Oliveira Vivas de
Castro, Vanessa Amaral de Oliviera e Ana Vitória Carneiro Machado
dos Santos, que auxiliaram na pesquisa.
Biografias dos autores
José Carlos Wahle, brasileiro, Sócio da Área Trabalhista no Veirano
Advogados, Bacharel em Direito pela UERI, Rio de Janeiro, RJ, em
1990.
Rodrigo de Figueiredo Araujo, brasileiro, Advogado Trabalhista no
Góis, Braga e Mendonça.
A Pesquisa
Paula Oliveira Vivas de Castro, Advogada Trabalhista no Veirano
Advogados. Bacharel em Direito pela UNESA, Rio de Janeiro, RJ, em
2022.
Vanessa Amaral de Oliviera, Assistente Jurídica no Veirano Advogados.
Bacharel em Direito pela UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, em 2023.
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Ana Vitória Carneiro Machado dos Santos, estudante do 2.º período
da graduação de direito da PUC, Belo Horizonte, MG.dvogados,
Bacharel em Direito pelo IBMEC Rio de Janeiro, RJ, em 2022.
Correspondência
jose.wahle@veirano.com.br
raraujo@gbmlaw.com.br